Segundo o Ibope, os habitantes da cidade gastam em média 2 horas e 47 minutos no ir e vir de todos os dias. A frota de São Paulo - hoje em torno de 6,5 milhões de carros - é tão grande quanto a população do Rio de Janeiro. Com 1.000 carros novos nas ruas todos os dias, a capital paulista é pródiga em quebrar os próprios recordes de congestionamento.
As soluções apresentadas para o problema com base apenas em pressão sobre os proprietários de veículos - do rodízio de carros à restrição da circulação de ônibus fretados - provocam ceticismo. "Não dá para culpar o carro quando não existe opção de transporte público viável", afirma Paulo Resende, pesquisador de logística da Fundação Dom Cabral. "É preciso garantir alternativas de mobilidade para a cidade."
Aos poucos, porém, um projeto do governo de São Paulo dá sinais de que o quadro - e o cartão-postal - pode finalmente mudar. Está em curso desde 2007 o Expansão SP, programa que prevê o aporte de R$ 20 bilhões em soluções de transporte público metropolitano. Trata-se do maior investimento no setor já feito no País.
O grande legado do projeto promete ser a quadruplicação da rede de transporte ferroviário com qualidade de metrô na Grande São Paulo, passando dos atuais 61 km para 240 no ano que vem. Numa segunda etapa, o plano é chegar a 390 km em 2014, quando o número de passageiros atendidos diariamente dobraria dos 5 milhões de hoje para 10 milhões. "Vamos ter, finalmente, a sensação de contar com uma rede de transporte urbano", afirma José Luiz Portella, secretário dos Transportes Metropolitanos do governo do Estado.
Como é possível tamanho salto numa rede que, desde sua criação, há 41 anos, cresce a uma velocidade de apenas 1,5 km por ano? Para que o plano do governo se materialize, essa média terá de crescer para quase 50 novos km até 2014. É virtualmente impossível, em qualquer lugar do mundo, cavar tantos túneis em tão pouco tempo. Por isso, a chave do Expansão SP é a integração de duas redes que, por mais absurdo que possa parecer, pouco se conversam: o metrô e os trens de superfície.
A ideia é melhorar os sistemas da CPTM que operam os trens de superfície para que a rede possa funcionar com padrão semelhante ao do metrô. O intervalo médio entre os trens, hoje de 7 minutos, deve cair para 4. Ainda mais importante é a integração das redes. O usuário poderá, com o mesmo bilhete, entrar numa estação de metrô, passar para a linha do trem, voltar ao metrô e assim por diante. Com isso, as possibilidades de rota se multiplicam.
É quase inacreditável que uma cidade do porte de São Paulo não tenha pensado em unificar sua rede ferroviária antes. Afinal, é muito mais barato modernizar o que já existe do que construir tudo do zero. A construção de 1 km de metrô subterrâneo custa cerca de US$ 75 milhões. Do total de 390 km de rede com "qualidade de metrô" prometidos para 2014, 66% virão justamente da melhoria dos serviços da CPTM - o restante serão linhas novas. "São os trens que permitirão o grande salto", diz o secretário Portella. Na linha que liga a zona sul de São Paulo ao município de Osasco, a renovação de trens e da sinalização reduziu a espera nas estações de 12 para 5 minutos. Em apenas um ano, a média diária de passageiros atendidos dobrou - hoje são 260.000. São Paulo repete assim um padrão absolutamente corriqueiro nas principais metrópoles do mundo. Nova York, Londres, Paris, Tóquio - todas elas têm uma enorme rede sobre trilhos que combina trens subterrâneos e de superfície. Nessas cidades o metrô e os trens são o principal meio de transporte público utilizado.
Além da integração e da modernização da CPTM, o projeto de São Paulo inclui um investimento pesado em novas linhas de metrô. Responsável por transportar uma média de 3 milhões de passageiros por dia - outros 2 milhões utilizam trens de superfície -, a rede de metrô ganhará 49 km de novos trilhos até 2014. Algumas obras se encontram em fase de conclusão. A inauguração em 2010 da primeira etapa da Linha 4, que parte do Centro em direção ao sudoeste da cidade, promete desafogar as linhas mais antigas. Outra obra aguardada com expectativa é a da linha Expresso Aeroporto. Prevista para ficar pronta dentro de três anos, ligará a Estação da Luz, no Centro, ao Aeroporto Internacional de Guarulhos em 20 minutos. De táxi, o mesmo trajeto hoje pode levar mais de 2 horas em horário de pico.
O turismo de negócios é uma vocação de São Paulo, que responde por 75% do movimento de feiras e exposições no País e fatura R$ 3 bilhões por ano. Quando a integração das redes estiver completa e as novas linhas inauguradas, o Expansão SP deve eliminar um dos piores gargalos da cidade que é o centro da economia do País. "Uma metrópole com esse tipo de deficiência pode deixar de atrair investimentos", diz o colombiano Carlos Fonseca, executivo responsável pelo Índice de Mercados Emergentes, elaborado pela Mastercard. No estudo, que elege as cidades emergentes mais importantes no comércio global, São Paulo está em quarto lugar no quesito rede de serviços financeiros e em quinto em conectividade comercial. Contam pontos a favor o sofisticado sistema de bancos e uma rede hoteleira de alto nível. Mas, nos indicadores de qualidade de vida, São Paulo cai para o 17º lugar, atrás de metrópoles como Xangai, Buenos Aires e Santiago. Pesam negativamente o insuficiente sistema de transporte público e o trânsito caótico. São Paulo tem apenas 5 milímetros de trilhos de metrô para cada habitante - menos da metade do que possui a Cidade do México e um décimo de Nova York.
Felizmente, São Paulo não é a única cidade do Brasil a buscar nos trilhos a solução para ampliar a mobilidade urbana. A escolha do País como sede da Copa do Mundo de futebol de 2014 serviu para impulsionar projetos em várias cidades candidatas a sediar os jogos, que precisaram apresentar à Fifa alternativas de transporte público. A corrida agora é para aprovar projetos no Ministério das Cidades, que, em conjunto com a Casa Civil, decidirá a destinação dos recursos do PAC da Mobilidade Urbana, também chamado de PAC da Copa.
Atualmente, 13 áreas metropolitanas são servidas por sistemas metroferroviários. Nos próximos seis anos, o número pode chegar a 20. Há projetos de expansão para praticamente todas as redes existentes. No final de junho, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, formalizou a maior compra de trens da história do Estado. Até 2014, serão entregues 49 composições como parte dos planos de ampliação do Metrô Rio e da SuperVia, concessionária de trens metropolitanos.
Na história dos transportes coletivos, o metrô é mais um caso em que as cidades brasileiras chegaram tarde. O metrô de Londres, primeiro do mundo, iniciou os serviços em 1863. A malha subterrânea que hoje serve a cidade passa dos 400 km. O metrô de São Paulo, o mais antigo do País, tem quatro décadas. Com um ritmo de crescimento lento, não completou até hoje a extensão prevista pelo projeto inicial. Por isso, é uma ótima notícia saber que o atraso está sendo parcialmente recuperado.
Fonte: Revista Exame (SP), 15 de julho de 2009