Assim como Paiva, dezenas de motoristas que trabalham na região trocam o quentinho da cama por uma vaga gratuita para o carro. Às 7h, já não há mais onde parar no meio-fio das ruas entre a Berrini e a marginal Pinheiros. Às 9h30, muitos estacionamentos estão lotados, relata a Folha de S. Paulo.
Às 10h30, só sobram vagas a mais de quatro quarteirões da avenida e do lado oposto ao da marginal - onde, segundo frequentadores, é comum o furto de veículos. "É fácil ver gente dormindo aqui", afirma o produtor Mário Marcos. "O luxo é uma falsa imagem que a Avenida Berrini passa", afirma.
Sobram poucas opções para quem não vai de carro. Há apenas uma linha de trem, que não faz conexão com o metrô, e 20 linhas de ônibus, menos da metade das 48 que passam pela Avenida Paulista, por exemplo (e que ainda tem metrô).
O analista de importação Michel Costamanho, que às 6h30 já está guardando lugar para o carro e só vai trabalhar às 8h, afirma que fica dentro do veículo para não ter de começar a trabalhar antes da hora. "Trago jornal, durmo. Não tenho medo (de assalto)", diz.
Mas há quem tenha. A analista financeira Paula Juscelina estaciona às 6h30 para trabalhar às 9h, mas prefere sair para tomar um café ou começar a trabalhar antes da hora. "Já assaltaram dois, um de manhã e um à tarde. Não fico no carro de jeito nenhum."
O lado mais perigoso da Berrini, segundo quem trabalha por ali, é o que fica do lado oposto à marginal Pinheiros, principalmente nos arredores da Rua Alessandro Volta, onde é comum o furto de veículos especialmente no final do dia.
Os dorminhocos se concentram nas ruas mais próximas à marginal, mais monitoradas pelos seguranças que trabalham nos prédios dali.
O produtor Mário Marcos, há quatro meses trabalhando no local, diz não ter condições para pagar o preço cobrado pelos estacionamentos. Onde trabalhava antes, perto da ponte do Morumbi, a alguns quarteirões dali, ele gastava R$ 80,00 mensais - na Berrini, declara não ter achado vaga por menos de R$ 200,00 por mês.
O estacionamento onde o manobrista Fernando Nunes trabalha foi inaugurado recentemente e já está lotado. "Em três dias, vendi 150 vagas mensais", afirma, acrescentando que a capacidade é para 120 vagas, mas nem todo mundo vem todos os dias. A mensalidade, de R$ 200,00, foi uma das mais baixas encontradas pela reportagem da Folha, segundo a qual os valores chegam a R$ 350,00.
Os estacionamentos da região restringem o número de usuários mensais porque, segundo os seus administradores, é menos lucrativo cobrar por mês do que por hora. A Folha não achou quem fizesse um preço fechado para um dia de carro estacionado; em média, a primeira hora custa R$ 8,00, e as demais, R$ 3,00 cada uma.
O maître Paiva, que trabalha no restaurante do Plaza Centenário, prédio apelidado de "Robocop" e ícone da região, afirma ter esperado seis meses para se tornar usuário mensal de um estacionamento. Mas não conseguiu vaga. "Desisti. Prefiro dormir no carro."
Transporte coletivo não acompanhou o boom de escritórios
A falta de opções de transporte coletivo - que se resumem a uma linha de trem, nenhum metrô e só 20 linhas de ônibus - e o boom de novos escritórios, onde circulam funcionários e clientes de diversas regiões, mostram que faltou planejamento urbano para acomodar as pessoas que trabalham na região da Berrini. "Onde era possível fazer prédios, foram fazendo, com o menor número possível de garagens", diz o consultor de transportes Luiz Célio Bottura.
"A mesma exigência que é feita para a Berrini é feita, por exemplo, para Itaquera. A lei é a mesma, mas a Berrini tem mais demanda", diz o professor da Poli-USP e consultor de transportes Jaime Waisman. Enquanto a Berrini é repleta de escritórios, as residências de Itaquera fazem do local dormitório para quem trabalha em outras áreas da cidade. A prefeitura exige que cada prédio construído tenha um certo número de vagas, mas o cálculo é feito com base na área útil do prédio, e não na quantidade de pessoas que ele atrai.
A Berrini é servida pela linha 9-esmeralda da CPTM, que, com 31,8 km de extensão, liga Grajaú, no extremo sul, a Osasco, sem integração com metrô. "O trem é abarrotado, misericórdia", diz Juliana Caccuri, que prefere chegar com seu carro às 6h20, estacionar na rua e esperar até as 8h30, quando inicia seu expediente.
"O cidadão de alta renda é muito refratário ao transporte público, é uma questão de preconceito", diz Jaime Waisman, da Poli-USP, admitindo que a má qualidade do sistema também contribui para isso. Segundo os especialistas, o fato de as pessoas ocuparem uma vaga durante o dia inteiro é uma forma de privatização do espaço público, que cria obstáculo ao fluxo das vias. Para eles, a Zona Azul seria uma alternativa para que mais carros estacionassem ao longo do dia.
Fonte: Folha de S. Paulo, 2 de março de 2009