Começa um novo ano e, segundo alguns, uma nova década. O ano zero é o último ou o primeiro ano?
De qualquer forma, é momento para reflexões, para retrospectos e prospectos.
Em relação ao automóvel, os cenários são - no geral - de continuidade, com maior ou menor evolução, ou até com crises cíclicas, que são superadas voltando o processo ao curso normal. Os cenários de ruptura são raramente considerados.
Desde que o carro emergiu como o grande produto de massa, a indústria automobilística, junto com a de petróleo, domina os rankings setoriais e empresarias. São os setores mais importantes da economia e suas empresas estão sempre entre as maiores.
Investem bilhões em pesquisa e desenvolvimento - ainda que para inovações conjunturais - e muito mais em marketing para manter essa posição. O automóvel é trabalhado para ser o principal objeto de desejo de massa.
Já há muitos anos o aumento das frotas, nas grandes cidades, supera a capacidade de oferta de vias, gerando os congestionamentos.
Por outro lado, os combustíveis usados pelos veículos (automóveis ou caminhões) são os principais emissores de gases de efeito estufa e de poluentes, caracterizando o carro como o principal vilão das mudanças climáticas.
No jogo de forças entre o setor automobilístico/petrolífero - induzindo e convencendo o consumidor a comprar e movimentar os seus carros - e os seus opositores, o primeiro continua ganhando todas as batalhas, em todas as grandes cidades.
A produção de automóveis aumenta continuamente, as frotas urbanas igualmente e os congestionamentos em consequência.
Os opositores defendem a menor utilização do automóvel e a substituição da viagem num carro individual pelo transporte coletivo. O Poder Público investe em linhas metroviárias, corredores de ônibus e outros sistemas coletivos, porém, sem conseguir reduzir os índices de congestionamentos. Aparentemente, o aumento da oferta do transporte coletivo amplia o número de viagens, sem alterar substancialmente as viagens de automóvel.
Dentro dessa perspectiva, os cenários variam entre um crescimento moderado ou acelerado. Mas sempre de crescimento.
O que pode mudar é o perfil da frota, assim como o "mix" de combustíveis.
O perfil da frota segue a estratégia de fazer com que o consumidor sempre queira melhorar o padrão do seu automóvel, incorporando novidades. O carro mais popular, de menor valor, vai sendo substituído por outros de maior valor.
A crise fez com que o consumidor adiasse a troca do carro, mas não a tendência do "up grade".
Para atender às pressões ambientalistas, a indústria automobilística vem ampliando a oferta do carro elétrico. Porém, dentro da tendência do "up grade".
Da mesma forma que os "míni", o carro elétrico será - durante muitos anos - uma "griffe". Não um carro popular, não uma solução de massa, como foi o etanol.
A incógnita está num fator imprevisível que leve à ruptura do processo histórico de continuidade do crescimento das frotas e das viagens de carros.
Esse fator poderá atuar sobre a oferta ou a demanda.
No primeiro caso, a ruptura poderia decorrer de um substancial aumento dos preços dos carros ou dos combustíveis.
No caso brasileiro essa eventual ruptura poderia ser amenizada pela redução tributária - como ocorreu na crise - ou pelo uso alternativo de combustíveis.
A ruptura na demanda decorreria de mudanças de hábitos no uso do carro.
As quais estariam relacionadas a três fatores: a ampliação e melhoria de qualidade dos transportes coletivos; a aproximação geográfica entre as funções urbanas e a substituição de funções reais por virtuais.
Em São Paulo, todos esses fatores estão ocorrendo, porém - aparentemente - sem nenhuma influência sobre o trânsito, porque estariam sendo anuladas pelo aumento da frota de automóveis.
Porém, o aumento do número de viagens por automóvel não cresce na mesma proporção da ampliação da frota. Cujos dados são sujeitos a verificações, pois não registram - com a mesma velocidade e precisão - as baixas.
A nova linha do metrô - a ser inaugurado, ainda que parcialmente, em março deste ano - segue o mesmo conceito dos anteriores de melhorar o acesso de uma periferia da cidade. Pode repetir o que ocorreu com as linhas anteriores. Terá grande carga de passageiros, mas não irá reduzir substancialmente o trânsito de carros no corredor superficial, ou seja, Francisco Morato, Rebouças, Consolação. A principal substituição será do usuário de ônibus que passará para o metrô.
A facilidade de acesso da periferia geográfica aos polos de trabalho, compras e lazer se contrapõe à tendência de nucleação de polos regionais com maior aproximação territorial das funções urbanas.
Esse é um fenômeno que ocorre lentamente e só será perceptível quando alcançar certa escala. Deve ser acompanhado com maior acuidade para se perceber a sua eventual emergência.
As operações virtuais vêm crescendo a taxas muito superiores às das reais, principalmente em dois segmentos: o das transações bancárias e o do comércio eletrônico. Mas o seu reflexo no trânsito ainda é pouco sentido. Com as operações virtuais há uma redução no número de viagens, sejam de carro ou de meio coletivo.
2010 talvez ainda seja cedo para que esses fatores tenham maior influência, porém, na segunda década poderão mostrar maior vigor, levando a uma inflexão na tendência de crescimento continuado nas viagens de carro, dentro da cidade de São Paulo.
Com evidente reflexo sobre a demanda de estacionamentos.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.