A retração já era esperada pelas associações nacionais de montadoras, que advertiam para a queda brusca desde o final do terceiro trimestre. Mas os primeiros números definitivos surgiram dia 2 de janeiro, quando o Comitê de Construtores Automotivos da França (CCFA) indicou recuo de 15% nas vendas de dezembro e de 13,9% no ano. No total, Renault, Peugeot e Citroën, além das montadoras estrangeiras instaladas no país, venderam menos de 1,9 milhão de automóveis - o pior resultado desde 1997, ressalta O Estado.
Dia 3, mais números ruins se sucederam, em vários países. Na Espanha, o cenário foi similar ao francês: 13,4% de queda, a pior em 15 anos. No apanhado de cinco anos, o mercado espanhol recuou em torno de 50%. Na Bélgica, o retrocesso no ano passado foi de 14,9%. Já na Itália o tombo foi maior: 19,87%, levando as vendas a 1,4 milhão de unidades.
Mas o recorde negativo, por ora, fica com Portugal, onde as vendas caíram 37,9% em 2012 - 95,2 mil unidades, ou o pior desempenho desde 1985.
Nem a Alemanha escapou do baque: os 3,08 milhões de automóveis vendidos no ano passado representaram 3% a menos que em 2011. "O mercado alemão se mostrou mais sólido que na Europa Ocidental. Mas os clientes estão preocupados em razão da crise da dívida que atinge a zona do euro há dois anos", afirmou Matthias Wissmann, presidente da União da Indústria Automotiva (VDA) alemã.
Montadoras
Outro índice da crise é o fato de que todas as montadoras foram atingidas, em maior ou menor grau. A Ford, por exemplo, perdeu 40% de seu mercado na França e 31% na Espanha. Volkswagen, Opel, Fiat, Renault, Peugeot e Citroen enfrentaram a mesma espiral recessiva. "Em todo o mundo, o mercado automotivo cresceu em 2012: nos EUA, no Japão, na Índia, no resto da Ásia, na Rússia, na América Latina e na África", disse ao Estado Flavien Neuvy, analista setorial e coordenador do Observatório Automotivo do banco Cetelem, de Paris. "A Europa foi o único lugar do mundo em que não houve aumento."
Para Neuvy, duas razões principais explicam a recessão. A primeira, conjuntural, é a recessão que atinge a zona do euro. Segundo estudo publicado pela agência de rating Fitch em dezembro, as vendas enfrentam crescimento em "W" desde 2008, quando do início da crise de crédito imobiliário que sucedeu a quebra do banco Lehman Brothers.
Embora os números oficiais da Associação Europeia de Construtores Automotivos (ACEA) não sejam conhecidos, a Europa Ocidental deve ter vendido em torno de 12 milhões de veículos no ano passado, contra 15 milhões em 2007.
O problema, conforme Neuvy, é que cada vez mais crescem as dúvidas sobre a capacidade da Europa de retornar ao patamar anterior. Isso porque o segundo componente da queda das vendas de 2012 é estrutural, e não conjuntural: os europeus estão cada vez menos ligados ao automóvel. "Além da recessão, o comportamento dos europeus está mudando. Veículos importam menos, não são mais os símbolos de ascensão social e de crescimento do passado", diz.
Pesquisas de fato indicam que o número de veículos em cidades como Paris vem caindo - na capital francesa, havia 5% menos automóveis em 2012 do que em 2002. "Cada vez mais pessoas preferem o transporte público, porque há excesso de automóveis nas ruas, é difícil estacionar, porque o preço do combustível é alto demais. Enfim, há uma mudança cultural", disse Neuvy.
A conjunção da crise com a transformação social resulta em uma inversão dos polos produtivos mundiais. Em 1980, a Europa produzia 30 vezes mais veículos do que a China, segundo o jornal Financial Times. Em 2013, os europeus serão superados.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 4 de janeiro de 2013