A mudança é uma troca histórica na matriz do transporte público da cidade. Há décadas o ônibus é o principal meio de transporte de São Paulo. Agora, um estudo inédito da SPTrans obtido pelo Estado mostra que, quando as obras em execução e em planejamento do Metrô estiverem prontas, haverá uma migração de passageiros: as viagens são mais rápidas e previsíveis no metrô e, por isso, o passageiro vai trocar de transporte. O número de viagens nos coletivos vai cair até 27%.
Embora pequena, a queda de cerca de 0,6% nas viagens de ônibus na comparação dos sete primeiros meses deste ano com o ano passado mostra o rompimento de um crescimento médio de 2% que vinha ocorrendo desde 2005. Segundo o assessor técnico Silvio Rogério Torres, da Superintendência de Planejamento de Transporte da SPTrans, a redução já é reflexo da entrega da Linha 4-Amarela, que foi ocorrendo em parcelas entre 2010 e o ano passado.
Alternativa
O músico Sydney Valle, de 58 anos, morador do Rio Pequeno, na zona oeste da capital, é uma das pessoas que já fez a migração. O trajeto que antes fazia de ônibus entre sua casa e o trabalho agora tem a Linha 4-Amarela como alternativa. "Só de fugir do trânsito da Avenida Rebouças economizo 25 minutos." Para chegar ao Metrô Butantã, no entanto, o músico precisa pegar ônibus. "É o único jeito, né? Tive carro por anos, mas além de ser caro, era muita dor de cabeça."
Torres, da SPTrans, lembra que essa migração do ônibus para os trilhos é possível graças à política tarifária que garante descontos na viagem conjunta. "Os estudos são feitos pensando que não haverá mudança no modelo de hoje."
Existe a possibilidade, no entanto, de o crescimento do Metrô e da CPTM provocar mudanças no modelo de gestão das tarifas. O bilhete único foi criado e é gerenciado pela SPTrans, que tem a maioria dos usuários. Até o fim da década, o uso dos cartões vai ser maior no Metrô.
Virada
O levantamento da SPTrans usa o cenário atual para fazer duas projeções: para 2020 e 2030. Atualmente, cerca de 9,8 milhões de viagens são feitas em São Paulo de ônibus e cerca de 7 milhões de trens e metrô. Em 2020, serão 16,5 milhões nos trilhos e 7,8 milhões nos ônibus. A virada deve ocorrer, seguindo esse planejamento, já a partir de 2015, quando as obras em execução terminarem.
Os corredores que mais vão perder passageiros são os das Avenidas 9 de Julho, Rebouças e Santo Amaro, na zona sul, e Aricanduva, na zona leste.
Mas também serão reduzidas as viagens de ônibus pela Marginal do Tietê, especialmente as com origem em Guarulhos, na Grande São Paulo. Ao mesmo tempo, o fim dos corredores da Estrada do M Boi Mirim e da Avenida Senador Teotônio Vilela, atualmente superlotados, terão o mesmo volume de usuários de hoje.
Ainda nesse cenário, dois ramais de metrô devem chegar aos mesmos patamares da Linha 3-Vermelha, que atende a zona leste e é uma das mais carregadas do mundo. O primeiro é a Linha 4-Amarela, que além da atual ligação entre Estação da Luz, no centro, e Butantã, na zona oeste, deve ser prolongada até Taboão da Serra. A segunda é futura extensão da Linha 5-Lilás, na zona sul, que hoje liga o Capão Redondo ao Largo 13, em Santo Amaro, mas terá uma conexão com a Chácara Klabin, na Vila Mariana.
Ainda assim, uso de carro deve continuar em alta na cidade
As projeções da SPTrans preveem que haverá pouca mudança nas viagens feitas de carro. Os congestionamentos devem continuar. Isso porque há o que a SPTrans chama de "frota reserva" de carros na Grande São Paulo. São cerca de 3,5 milhões de automóveis que não são usados durante a semana, mas que estão à disposição de seus donos.
O superintendente de Planejamento de Transporte da SPTrans, Laurentino Junqueira, explica que, conforme o trânsito da cidade for melhorando, esses motoristas vão ter incentivo para sair de casa. "Com qualquer mudança que resulte em melhoria viária, essa frota sai da garagem." A expectativa de menos congestionamento faz com que mais carros saiam às ruas e tudo fique como está.
A preferência por carro também passa por fatores psicológicos, como a preferência de ficar sozinho durante o caminho.
Mas embora o individualismo seja citado como uma característica humana, políticas públicas podem desincentivar esse comportamento. Junqueira dá Tóquio como exemplo: "Cerca de 60% das viagens em Tóquio são feitas de Metrô. 35% são de carro e 5% de ônibus", afirma, considerando que os custos para manter o carro lá são maiores. "O cidadão lá, quando vai comprar o carro, tem de provar até que tem lugar para estacionar", diz o secretário adjunto de Transportes, Pedro Luiz Brito Machado.
Levantamento. O Metrô está fazendo uma pesquisa para tentar identificar se a expansão da rede desde 2007 resultou na troca do carro pelo transporte público. Até lá, dizem governo e especialistas, qualquer adivinhação nesse campo é especulativa.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27 de agosto de 2012