A administração municipal paulistana, assumida pelo PT, tem como um dos seus objetivos a ruptura da cidade segregada, buscando equalizar os direitos à cidade entre as diversas camadas sociais.
Ocorre que uma das principais aspirações das pessoas de renda mais baixa, em ascensão sócio-econômica, é a propriedade de um carrinho e poder circular com ele, ainda que apenas nos finais de semana.
Ou para trabalho, como o serralheiro que tinha um fusquinha para ir aos locais onde presta serviços, levando os materiais, e o usava ainda para ir ao culto, nos fins de semana, dando carona aos vizinhos. O seu carro ficou destruído como consequência das manifestações no final da semana passada, por conta de um colchão incendiado pelos manifestantes e que grudou no seu veículo.
A política de restrição ao uso do carro pela administração municipal entra em conflito com essas aspirações, incentivada pelo Governo Federal, igualmente assumido pelo PT.
O maior crescimento da frota de carros não está nas classes de maior renda, mas exatamente nas de menor renda, que se quer que deixem o carro em casa, ou que não tenham carro, para usarem o transporte coletivo.
Nas classes de maior renda, a aquisição do carro já é, em grande parte, de reposição ou atualização: trocar o carro velho por um do ano. O aumento quantitativo da frota de carros deles é pequeno. Mas, para realizar a renovação da sua frota, se desfazem do seu "seminovo", que irá promover o aumento quantitativo da frota daqueles de menor renda, muitos dos quais poderão adquirir o seu primeiro carro.
Os primeiros, a menos de raros casos, não irão passar do carro para um transporte coletivo, reconhecidamente de má qualidade. Já os de menor renda querem aproveitar as oportunidades promovidas pelo Governo Federal, para ter o seu carrinho e reduzir a dependência do transporte coletivo.
A política praticada pelo Governo Federal vai de encontro aos objetivos do Governo Municipal. O problema não está, como se difunde e a opinião pública aceita, no aumento global da frota de carros. Está, exatamente, no aumento da frota dos que querem trocar o transporte coletivo pelo individual.
A reação deles, em relação à política municipal é: "Agora que consegui um lugar na janelinha, vocês querem acabar com a viagem!". A prioridade ao transporte coletivo em detrimento do transporte individual pode acabar tendo o efeito inverso ao pretendido, do ponto de vista eleitoral. O direito universal à cidade é poder circular nela com o seu carrinho próprio. A socialização não está nos bônus, mas nos ônus: todos ficam presos nos congestionamentos, independente do seu nível de renda e do padrão do carro.
A população de baixa renda não quer mudar do carro para o ônibus, até porque não tem. Porém, quer ter e assim que tiver quer deixar o transporte coletivo para passar para o individual. Quem pode passar do individual para o coletivo é a classe média, mas essa é mais exigente com relação à qualidade, medida pelo conforto. O problema maior não é a velocidade, mas a lotação.
A classe média é uma grande defensora da transferência do transporte individual para o coletivo: sempre dos outros.
Não adianta apontar uma suposta contradição com o Governo Federal. Faz parte da mesma ideologia do PT de melhorar as condições da população de baixa renda. A questão é que, para não parecer discriminatória, a política abrange todas as faixas, mas com maiores vantagens para os carros populares.
Os custos de operação, no entanto, limitam o seu uso. Nem todos têm condições de arcar com o custo dos combustíveis.
Porém, a variável mais importante que acaba por regular o seu uso é o custo do estacionamento. O carro é usado quando o destino é um local com disponibilidade de vagas em vias públicas. Para áreas com maior demanda, esses novos proprietários de carros não têm condições de pagar os valores cobrados pelos estacionamentos. Esses funcionam como inibidor do uso do carro. Então ele, mesmo tendo carro, prefere deixá-lo em casa e usar o meio coletivo. Mas causa também distorções.
O proprietário do carro sai mais cedo, de madrugada, na expectativa de encontrar uma vaga gratuita na via pública. Em função do horário, não concorre com os demais no horário de pico, mas quando se atrasa um pouco fica rodando em busca de uma vaga, aumentando o tráfego de veículos.
O estacionamento gratuito na via pública induz ao uso do carro, o estacionamento pago o inibe.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
NOTA:
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