Parking News

Se o leitor tivesse a chance e a paciência de ler a legislação municipal, encontraria uma São Paulo mais civilizada. No papel, não há shoppings ou parques sem bicicletários, e as novas ruas são construídas com ciclofaixas. E os bares e boates têm bebedouros gratuitos para seus clientes. Na cidade real, um abismo separa as boas ideias das práticas de gestão pública: a falta de regulamentação de leis, constata reportagem de O Estado de S. Paulo.
Todas essas obrigações constam de normas aprovadas pelo Legislativo, muitas vezes depois de debates intensos e mobilização social. Mas, por falta de regulamentação da Prefeitura, não funcionam plenamente.
Levantamento feito pelo Estado encontrou 15 normas nessa situação. Um exemplo é a Lei 13.995, de 2005, que obriga locais de grande movimento, como shopping centers, supermercados, parques, escolas e agências bancárias, a disponibilizar vagas para bicicletas. A lei não especifica quem vai fiscalizar ou o valor das multas, mas deixa claro que o Executivo deveria regulamentar a norma em até 60 dias.
Passados 1.754 dias, ainda não há decreto - nem bicicletários, paraciclos ou algo equivalente em estabelecimentos como museus nem na maioria das agências bancárias e supermercados.
Na balada.
Quando a Lei 14.724 foi sancionada, em 2007, os frequentadores da noite paulistana acreditaram que matar a sede ficaria mais barato. Ela obriga danceterias, salões de dança e afins a instalar e manter bebedouros para frequentadores.
A Prefeitura ignorou o prazo de 60 dias para publicar o decreto com detalhes como normas de fiscalização e multas. Após 1.111 dias, dá para contar nos dedos os estabelecimentos que cumprem a norma.
Idosos.
Naquele mesmo ano, a Lei 14.481 foi criada para cumprir uma exigência do Estatuto do Idoso: a reserva de 5% das vagas em estacionamentos públicos e privados para pessoas acima de 65 anos. A regulamentação não foi feita e, dessa forma, não há como se fiscalizar.
"A reserva de vagas tem sido feita nos shoppings, mas há estacionamentos que realmente não cumprem a norma. Mas me comprometo a mandar uma orientação para os associados dizendo para reservar essas vagas. É um desrespeito aos direitos dos idosos", afirma o presidente do Sindicato das Empresas de Garagens e Estacionamentos do Estado de São Paulo, Sergio Morad.
Questionada sobre a falta desses decretos, a Prefeitura respondeu que o atraso ocorre por causa da falta de "precisão técnica adequada" em leis propostas pelos vereadores. A administração alega que são formados grupos de trabalhos para estudo da terminologia e, consequentemente, leva-se mais tempo para que as leis sejam regulamentadas.
Negligência. Há também as leis municipais que não funcionam porque deixam de ser cumpridas pelo próprio poder público. Nessa situação, há duas situações emblemáticas. Uma delas é a Lei 14.266, de 2007, que estabelece o sistema cicloviário.
Além de reforçar a obrigação da existência de bicicletários em locais de grande fluxo de pessoas, a lei estabelece que novas ruas, avenidas, túneis e viadutos construídos após a publicação devem ter faixas exclusivas para bicicletas. Mas, nos três primeiros anos de vigência, não faltam situações que provam que a lei não é cumprida - o novo viaduto do Complexo Viário Jaraguá, entregue há duas semanas, não dispõe de ciclovia.
Prestação de serviço. O segundo caso marcante é a Lei 14.173, de 2006. Ela obriga a Prefeitura a manter site atualizado com índices de desempenho dos serviços públicos em diversas áreas.
O cidadão teria a possibilidade de saber quanto demora para marcar uma consulta em hospitais públicos, por exemplo. Uma lei posterior, de setembro de 2009, complementou a obrigação ao determinar que os índices fossem separados por subprefeitura. O site nem entrou no ar.
Para Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo, falta vontade política para que a lei dos indicadores seja colocada em prática. "É porque o resultado não deve ser bom. Se fosse bom, o governo correria para mostrar os dados", disse.
A Prefeitura afirmou que a complexidade das informações "obrigou algumas secretarias a desenvolver sistemas de coleta e processamento de dados inéditos", mas que a página com os indicadores já está sendo desenvolvida. Entretanto, não foi informado se há algum prazo para sua estreia.
Para entender
Legislativo e Executivo têm tarefas
O caminho entre uma ideia e uma lei funcional é longo. Apenas o trâmite na Câmara Municipal compreende diversas etapas, como a concepção da ideia pelo vereador, a aprovação nas comissões da Casa, a negociação com os líderes, duas rodadas de votação no plenário, a sanção do prefeito e a publicação no Diário Oficial, quando entra de fato em vigor.
Mas todo esse trabalho não vale nada se a lei requerer regulamentação do Executivo - ou seja, um decreto que determine como será posta em prática -, mas este último não cumprir seu papel nessa última etapa.
Para especialistas, o não cumprimento das ordens dispostas em lei ou dos prazos de regulamentação pode configurar crime de improbidade administrativa por parte dos gestores do Executivo - ato cujas penas podem chegar até a perda do cargo eletivo. "Se a lei te obriga a fazer algo e você não faz, você está descumprindo a lei", diz o jurista Eduardo Nobre.
"Câmara tem de fazer pressão" - Entrevista com Marco Teixeira, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV

- O que causa esse descompasso entre Executivo e Legislativo na hora de regulamentar as leis?
Obviamente, você pode encontrar várias explicações, que variam caso a caso. Mas, se na pureza o Legislativo é a casa de representação do povo e se essas leis já passaram por toda a tramitação normal, existe um descompasso. Se os vereadores discutiram, é porque tem fundamento, tem importância, tem algum vínculo com o interesse público. Se o Executivo não regula, vejo isso como um desrespeito ao processo legislativo.

- Não é também um desperdício de esforços?
Claro. O que percebemos é que há um grande esforço até se aprovar uma lei para que, depois, ela não seja efetiva. No final, ficam só os dividendos eleitorais para o vereador que aprovou aquilo, e não se olha o bem-estar da população.

- E a culpa é só da Prefeitura?
Não. Há também uma parcela de irresponsabilidade de quem faz o projeto de lei e não prevê quem vai fiscalizar ou o valor das multas. Às vezes, o vereador faz lei só para jogar para a plateia, para colocar no jornalzinho e falar que fez. Lei sem fiscalização não é lei.

- E qual é a melhor maneira de fazer com que a Prefeitura regulamente o que ainda não foi feito?
A Câmara também tem de fazer pressão sobre a Prefeitura. No momento em que você tem o silêncio da Câmara e o da Prefeitura, quem paga é a sociedade.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 6 de abril de 2010

Categoria: Mercado


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