Para fechar brechas deixadas pela legislação, que permite que motoristas embriagados se esquivem das penalidades previstas, uma comissão da Câmara dos Deputados prepara novas mudanças para o Código Brasileiro de Trânsito, com endurecimento da Lei Seca. Se forem aprovadas, o condutor que estiver com sinais notórios de embriaguez será criminalizado, mesmo que se recuse a fazer o teste do bafômetro. Além da multa e da perda da habilitação, terá de cumprir pena de detenção de 6 meses a 3 anos. Será que agora vai adiantar?
A Lei Seca, da forma como foi escrita, possibilitou interpretações diversas. Por exemplo, prevê que a medição do grau alcoólico do sangue do condutor seja feita apenas por meio de exame de sangue. Um decreto posterior permite que o bafômetro seja usado para isso. Nem todos os juízes consideram o texto do decreto. Em São Paulo, "tem uma corrente no Tribunal que acha que o exame por bafômetro não caracteriza alcoolemia (quantidade de álcool no sangue). Os juízes só aceitam exame de sangue e absolvem até mesmo os condutores que sopram no bafômetro e ultrapassam o limite de alcoolemia previsto em lei", afirma o advogado especializado em Direito Penal Aldo Costa.
Há outra questão que envolve o bafômetro e a Justiça - e pode estar livrando muita gente que dirigiu embriagada da culpa. O Superior Tribunal Federal (STF) se pronunciou dizendo que, se não for feito o teste do bafômetro, a pessoa não poderá ser condenada, afirma Costa. Antigamente, o condutor era punido se dirigisse sob efeito de álcool e um exame de sangue indicasse essa condição. O bafômetro não era mencionado na lei. Com a Lei Seca, quem foi julgado no passado pode pedir uma revisão do processo e se livrar da punição. A nova lei retroage em benefício do culpado.
E se o condutor se nega a fazer o teste? O STF diz que não se pode condená-lo. "Há casos absurdos", diz o advogado Aldo Costa. Segundo ele, há episódios em que o sujeito está caindo, nitidamente embriagado, mas não faz o teste do bafômetro. Mesmo assim, na delegacia, os policiais fazem a ocorrência, ainda que não tenham a prova necessária para caracterizar o crime. Isso vai para a Justiça e, quando chega lá, costuma dar em nada. A pessoa é absolvida. "Os próprios condutores escolhem se serão processados ao decidir soprar ou não no bafômetro. O objetivo dessa lei é acabar com a impunidade, mas está acontecendo exatamente o contrário", afirma Costa.
Segundo uma pesquisa feita pelo advogado nos tribunais estaduais do País, em 80% dos casos em que o condutor não sopra bafômetro, ele é absolvido em segunda instância. Todos os custos que envolvem desde a blitz policial à absolvição são arcados pelo Estado: bafômetro, força policial nas blitze, boletim de ocorrência, processos judiciais, custos de processo, juiz, promotor... e a grande maioria dos casos é arquivada. "Se a lei seca diminuiu as despesas com o Sistema Único de Saúde, é, ao mesmo tempo, uma empresa que mascara débitos", diz Costa.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), há quem tenha pedido recurso de salvo-conduto para não ser obrigado a fazer o teste do bafômetro se parado em blitz. O STJ negou todos os pedidos. Segundo nota publicada pelo tribunal, o argumento nos pedidos de salvo-conduto é sempre o mesmo. Os condutores alegam que a Lei Seca é inconstitucional, uma vez que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. O objetivo é ter o direito de se recusar a fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue e, consequentemente, não ser obrigado a comparecer à repartição policial para aplicação da suspensão do direito de dirigir e da apreensão do veículo. Segundo o ministro Joaquim Barbosa, do STF, a lei não obriga a pessoa a produzir prova contra si própria, uma vez que existem outros meios de prova admitidos para constatação de embriaguez ("notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor", segundo a lei). A própria lei prevê que serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas (...) ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos.
Ações positivas
- São Paulo: o Programa Táxi Amigão - Amigo da Lei Seca oferece tarifa de bandeira 1 nas noites de sextas-feiras, sábados e nas vésperas de feriados (20h às 6h).
- Rio de Janeiro: a Operação Lei Seca do governo do Estado leva cadeirantes que foram vítimas de acidentes de trânsito a locais em que se ingere álcool ou podem-se encontrar condutores, como bares, restaurantes, quiosques e postos no Rio e Grande Rio.
- Foz do Iguaçu: em julho de 2008, o Sindicato de Hotéis, Restaurantes e Bares e o Sindicato dos Taxistas lançaram a campanha "Se beber não dirija, vá de táxi". Quem beber acima do permitido e pegar um dos carros identificados com selo vermelho tem descontos de 10 a 20% nas corridas.
- Curitiba: no começo do ano passado, a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa estampou 60 outdoors da região metropolitana da capital paranaense com o lembrete "Motorista: se for beber, vá de táxi" nas saídas para o norte e o litoral do Estado.
- Pernambuco: em agosto de 2008, o governo lançou, em todas as emissoras de televisão, no horário nobre, a campanha "Seja legal, se beber não dirija". Além do VT com 30 segundos, a iniciativa se estendeu às rádios e à internet.
- Brasil: anualmente, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) promove campanhas de trânsito.
Fonte: Revista Época, 8 de janeiro de 2010