Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil gasta R$ 30 bilhões por ano no atendimento das vítimas.
As entidades francesas Securité Routière - órgão normativo que elabora as leis de trânsito no país - e Prévention Routière - grupo não-governamental e científico que fiscaliza o cumprimento das leis de trânsito - apresentaram dia 26 de maio, durante o Seminário Internacional de Segurança e Proteção no Trânsito e nos Transportes em São Paulo, os caminhos traçados pelo país para reduzir drasticamente o número de acidentes no trânsito.
De acordo com o presidente da Prévention Routière, Pièrre Gustin, 12 pessoas morrem por dia em acidentes de trânsito na França. Entretanto, a realidade no país não foi sempre essa: em 1972 eram 17,5 mil mortes a cada 30 dias, ou seja, mais de 500 diariamente. Os principais inimigos do trânsito eram a falta do uso de cinto de segurança, altas velocidades e o consumo de bebidas alcoólicas por motoristas.
"O pico de catástrofe foi o ano de 1972, com o aumento da frota circulante. A partir daí começamos a fazer uma forte campanha com a sociedade. Em 1973, chegamos a organizar uma manifestação com 17 mil pessoas, que deitaram nas ruas para simbolizar as mortes", observa Gustin.
A associação Prévention Routière foi criada em 1949, mas precisou muito mais do que a adesão dos franceses e a forte campanha publicitária, necessitou também do forte apoio do governo federal, consolidado a partir de 2003. "A França estabeleceu metas, o que é muito importante", observa Racy. E metas ambiciosas. O objetivo fixado para 2012 é a redução das mortes em acidentes para menos de 3 mil.
"Em 2003, o governo francês instalou mais de 2 mil radares móveis e fixos nas rodovias do país, reforçou drasticamente a polícia para fiscalização e aperfeiçoou o sistema de multas, que chegam à casa do infrator em, no máximo, dez dias", explica Gustin. Outra mudança importante estabelecida desde 2008 foi a inclusão de mais 500 radares em cinco anos, a confiscação do veículo em caso de condução sem habilitação e reincidência de infração de velocidade acima do limite ou uso de álcool.
Pièrre Gustin conta que um dos principais desafios das entidades envolvidas na causa foi a mudança de cultura para a condução menos agressiva. Segundo o especialista, as campanhas precisam ser firmes e contínuas para funcionar, por isso, o envolvimento do governo é fundamental.
Enquanto a França evoluía, o Brasil apenas engatinhava. O Código Brasileiro de Trânsito é completo e atualizado, entretanto, questões políticas, jurídicas, educacionais e de fiscalização continuam precárias. "Metade dos brasileiros não usa cinto de segurança e nem capacete. Quando pensamos nessas questões lembramos apenas dos grandes centros", alerta o presidente da Frente Parlamentar para um Trânsito Seguro, deputado Beto Albuquerque.
Albuquerque defende que a Justiça encare os acidentes com vítimas como um ato homicida. "Para ter ideia da cultura, os brasileiros sentem-se vítimas ao receber uma multa, ao ser autuados por alcoolismo. A afirmação é sempre a mesma: de que é a indústria da multa a responsável", diz o deputado. Segundo ele, parte do dinheiro arrecadado com as multas deveria ser usada nas campanhas de prevenção de acidentes.
Além disso, Albuquerque defende a autonomia do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
O Brasil, assim como a França e qualquer outro país, tem como principal inimigo no trânsito o uso de bebidas alcoólicas. Apesar da oposição dos brasileiros, o País adotou a Lei Seca, mas ainda sem muito sucesso devido à falta de fiscalização. Por esse motivo, há dois meses o governo do Rio de Janeiro iniciou a chamada Operação Lei Seca, que conta com seis equipes formadas por policiais militares e civis, estudantes de medicina, representantes do Detran, integrantes de ONGs e cadeirantes que tiveram como sequela de acidentes a deficiência física.
"É uma política de caráter preventivo feita por seis equipes de segunda-feira a segunda-feira, com dois focos: a fiscalização com blitz e a ação educacional", explica o subsecretário para Trânsito do governo do Rio de Janeiro, Carlos Alberto Lopes. Em 60 dias de operação, os acidentes de trânsito caíram 23,6%. O projeto custa, por mês, R$ 200 mil.
Além de aprovar a ação, Fábio Racy, do Cedatt, defende a extensão da operação para todo o País. Segundo Racy, o uso de bafômetros descartáveis para ajudar as operações, a exemplo do que acontece hoje na França, é uma proposta importante a ser avaliada. "Mais baratos, eles ajudariam muito a aumentar a fiscalização. Se fosse identificado o uso de álcool antes, o bafômetro eletrônico só seria usado para especificar a quantidade de álcool no sangue da pessoa", explica.
Para Carlos Alberto Lopes, Brasília e São Paulo já estão interessados em estudar a Operação Lei Seca para desenvolver trabalho contínuo semelhante. "No Rio, enxergamos o problema como um caso de saúde pública, que deve ser resolvido com ações políticas permanentes."
Fonte: portal G1, 27 de maio de 2009