O futuro da cidade será determinado pela dinâmica da riqueza, que envolve os principais agentes decisores da localização das atividades urbanas. Essa dinâmica promoverá a acomodação da dinâmica da pobreza. O fato novo é a dinâmica da classe média, proporcionada pelas facilidades de financiamento de imóveis e de automóveis.
A riqueza prefere morar em lugares distantes, não poluídos, com grandes áreas e suporte em equipamentos de lazer. Busca a qualidade de vida do morar, ainda que perceba que isso entra em contradição com a qualidade de vida do se movimentar.
A sua visão, nem sempre explicitada, é que a culpa está no crescimento da frota adicional de veículos, que é predominantemente da classe média emergente (classe C) e que irá concorrer com ela (a riqueza, caracterizada como classes A e B) nas vias públicas. Reclama que esses novos motoristas dão preferência à locomoção com o seu carro, em vez de buscar o transporte coletivo. Cuja disponibilidade e qualidade seriam baixas em função do pouco investimento público. Na realidade quer que os néofitos ("newcommers") se mantenham no transporte coletivo.
Porque a riqueza não vai trocar o seu carro (cada vez mais luxuoso e confortável) pelo transporte coletivo. Por melhor que seja o sistema coletivo, ou que seja mais amplo, como costumam reclamar da extensão do metrô.
Ela quer a melhoria do transporte coletivo para tirar os concorrentes das vias públicas e que geram - a seu ver - os congestionamentos. O problema são os outros e o Estado.
Já a classe média pouco interfere nas decisões das grandes empresas que determinam os locais de trabalho, sejam escritórios, centros comerciais, de serviços ou de lazer. Tem que se ajustar a elas. Tem a decisão de localização da moradia, com aspirações semelhantes ao da riqueza, mas condicionada pelos valores imobiliários e condições de financiamento. Quando o decisor muda o local de trabalho, é obrigada ou levada a acompanhar.
Mas é preciso distinguir um segmento da classe média que se organiza em entidades para a defesa da cidadania, porém, não deixam de andar com o seu carro particular, daquela classe média emergente que quer se movimentar de carro, sem complexo de culpa. E ambas as facções se unem contra o pedágio urbano. Que é defendido pela riqueza, como forma de reduzir a concorrência pelos preços de mercado.
A multiplicidade de atividades individuais, como trabalhar e estudar (à noite) levam muitos da classe média a optar pelo veículo particular para ter a flexibilidade e acessibilidade. Os mesmos objetivos são buscados pelos casais que têm filhos na escola e além disso têm outras atividades, como as aulas de inglês, o esporte etc. Além disso, há o médico, as compras, o lazer etc. E para ter acesso a tudo isso preferem o automóvel, ainda que isso piore a mobilidade, a fluidez no trânsito.
Já a pobreza não tem muitas opções: só pode se movimentar a pé ou de transporte coletivo. Um segmento dela encontrou na motocicleta a alternativa que propicia um instrumento de trabalho e a flexibilidade para as suas múltiplas atividades urbanas. Para a maioria, transporte coletivo não é opção, mas falta de opção.
Pode-se considerar esses dois movimentos como inexoráveis, apesar das críticas e do desejo contrário de alguns idealistas:
- o aumento sucessivo da frota de veículos particulares, que será tanto mais acelerado quanto maior for o crescimento econômico e apropriação da renda pela classe média baixa;
- a moradia daqueles de maior renda em bairros mais distantes, em condomínios suburbanos, com grandes áreas e do tipo clube ou Alphaville.
E o sistema viário, assim como os sistemas de transporte de massa, não acompanhará esse movimento. O resultado em curto prazo é o aumento dos congestionamentos. Qualquer impedância (seja a chuva, acidente, passeata ou qualquer outro evento que obstaculize a fluidez) causa enormes congestionamentos. Que pelos indicadores medidos em São Paulo ultrapassa a 200 km de vias com o trânsito parado, nas horas de pico.
Em médio prazo a tendência será a descentralização das atividades de serviços, juntamente com o varejo, gerando novos pólos ou novos centros.
Esse processo já vem ocorrendo há alguns anos, mas ainda não é suficientemente evidente para se deixar de raciocinar a cidade de São Paulo como unicêntrica, em torno do centro antigo.
O novo e principal centro da cidade de São Paulo estará nos arredores da Chácara Santo Antonio, estendendo-se até a Av. Faria Lima. Embora essa tenha iniciado o processo de transferência, a partir da instalação do Shopping Center Iguatemi e a abertura da avenida, tornando-se uma moderna via, com novos edifícios comerciais, tem restrições de grandes áreas. Já a área que começa no Shopping Morumbi e segue adiante ainda tem muitas áreas de antigas fábricas que de lá estão saindo.
Uma das maiores áreas agora está desocupada e, fatalmente, será ocupada com um grande empreendimento imobiliário: o da ex-fábrica da Monark bicicletas.
A principal restrição ainda é o acesso. Porém, com a abertura do trecho sul do Rodoanel, haverá uma grande liberação da Marginal do Pinheiros. Os caminhões irão sair, mas a Marginal continuará congestionada com o movimento dos carros, vindos das Granjas Vianas, Alphavilles e outros novos condomínios suburbanos para o novo centro de negócios. Já o outro lado, formado pela Granja Julieta, Alto da Boa Vista e adjacências, terá acesso melhor. E ainda os arredores da Chácara Flora, com rápida e intensa verticalização.
Para os seguidores, levados a trabalhar na região, a solução está em transformar a atual linha da CPTM em padrão metroviário, promovendo ainda a conexão com a estação Barra Funda.
A maioria dos decisores vai se mudar para bairros mais distantes com disponibilidade de áreas, em busca da melhor qualidade de vida do morar. Em função das dificuldades de trânsito, irão mudar os locais de trabalho para ficarem mais acessíveis à sua residência.
A outra alternativa é a Vila Sônia, que estará logisticamente melhor situada, nos eixos da Régis Bittencourt (todos os sítios e condomínios da região do Embu, Itapecerica de Serra, São Lourenço) e da Raposo Tavares (Cotia, Ibiúna e São Roque).
Por outro lado, as vias de ligações entre os centros tenderão a ficar permanentemente congestionados.
São Paulo não vai parar em função dos congestionamentos. Vai se ajustar.
E o ajustamento será tanto mais rápido e melhor se o Poder Público buscar acompanhar as tendências do mercado em vez de pretender "voltar ao passado", ou se basear em ilusões.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos de experiência em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.