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Em entrevista à Folha de S. Paulo, Ciro Biderman, economista que estuda trânsito e urbanismo, afirma não haver alternativa ao carro em São Paulo: "É um erro atribuir às pessoas a decisão de usar o carro porque há uma decisão política anterior", diz o professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e do MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Boston (EUA). A decisão política anterior, diz, colocou os carros à frente do transporte coletivo. Segundo ele, isso ocorreu quando as cidades brasileiras decidiram seguir o modelo americano, uma mistura de gasolina barata e baixo subsídio ao transporte público. Veja a seguir trechos da entrevista:

Folha - Por que São Paulo chegou a esse grau de paralisia?
Ciro Biderman - Foi por causa das opções de política urbana. O modelo americano de cidade tem uma taxação muito baixa da gasolina, pedágios com preços baixíssimos - em Boston custa US$ 1 (cerca de R$ 1,70), contra oito libras (cerca de R$ 26,60) no centro de Londres - e pouco ou nenhum subsídio para o transporte público. O modelo europeu dá subsídio pesado ao transporte público e impõe uma taxação altíssima para a gasolina. Quando toma essa decisão de beneficiar o carro, você traça o destino urbano da cidade. Nas capitais européias, cerca de 70% das pessoas vão ao trabalho de transporte público. Não tem como a elite fugir dessa regra. Nos EUA, com exceção de Nova York, quando 15% vão ao trabalho de transporte público, já é um índice alto. São Paulo fez uma opção americana e só não está pior porque somos pobres. Bastou a renda crescer um pouco para chegar perto do caos.

Folha - Cidades como Goiânia e Salvador têm o mesmo problema. O urbanismo brasileiro fracassou?
Biderman - Talvez seja um pouco radical dizer que todo o urbanismo brasileiro deu errado. Mas, olhando por esse lado, você poderia fazer essa afirmação. É incrível como os urbanistas brasileiros, com exceções, ignoraram o transporte público. Pegue a USP na Zona Leste: colocaram a universidade num lugar que não tem transporte.

Folha - Virou lugar comum dizer que a solução é fazer metrô. O que se faz enquanto ele não fica pronto?
Biderman - É curioso que os corredores de ônibus de Curitiba, dos anos 70, não tenham virado lugar-comum. Em Bogotá, eles fizeram uma opção radical pelos corredores.

Folha - Como?
Biderman - Como eles não tinham como bancar o metrô, fizeram corredores de ônibus. Nenhum urbanista de lá nega que imitou Curitiba. Hoje, 85% das pessoas vão ao trabalho de transporte público, o que não é usual na América Latina.

Folha - Por que São Paulo é tímida no uso de corredores?
Biderman - Corredor não está no imaginário da população. Quando se fala de Minhocão, muita gente pensa em derrubá-lo. Mas ninguém fala da possibilidade de transformá-lo num corredor, com ônibus elétricos, sem barulho. Em Bogotá não é só o TransMilenio. Eles aumentaram as calçadas, fecharam ruas. Um dia por mês é livre de carros. Para implantar o transporte público de verdade, você precisa de um choque cultural.

Folha - Pesquisa Datafolha aponta que 74% dos paulistanos rejeitam o pedágio urbano. O prefeito deve atender essa demanda?
Biderman - Em longo prazo isso é uma catástrofe para a cidade. É óbvio que 74% são contra. Até os mais pobres estão comprando carros, porque é um benefício gigantesco em um lugar como São Paulo.
Não é só o transporte público que não funciona. O transporte para pedestres e o de bicicleta não funcionam. Não há alternativa ao carro. É um erro atribuir às pessoas a decisão de usar carro, porque existe uma decisão política anterior.

Folha - São Paulo não pára de crescer na periferia, enquanto prédios na área central estão abandonados. Dá para reverter esse quadro?
Biderman - A degradação é perfeitamente reversível. Depende de decisões políticas. Você não pode pensar o centro como um bloco único. Nem tratar usuários de crack como um problema urbano. É um equívoco, um problema de saúde pública.

Folha - A prefeitura diz que, sem demolir 23 quadras da cracolândia, o mercado não se interessaria pela área. Faz sentido?
Biderman - Tem uma lógica por trás disso. O que gera a decadência dos centros históricos é o fato de que o custo para demolir e construir é maior do que simplesmente construir um edifício novo, porque há o custo da demolição. Para contornar esse problema, basta cobrar menos pela terra.
Fonte: Folha de S. Paulo (SP), 14 de abril de 2008

Categoria: Geral


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