É preciso encarar de vez a questão: o estacionamento gratuito não existe, não passa de uma ilusão. Ponto. Sempre tem um custo, e esse custo deve ser pago por alguém.
Não me refiro a quanto custa a pavimentação, pintura de demarcação e sinalização das vias, mas do quanto custa esse bem escasso que só é utilizado para estacionar quatro rodas. Nas periferias urbanas, de baixa densidade e que concentram poucas viagens, o custo desse solo geralmente é baixo, enquanto em áreas que concentram muitas viagens seu valor pode ser altíssimo, tão alto que justifica a cobrança de quem utiliza esses espaços.
Em caso do oferecimento de estacionamento gratuito, o valor de sua provisão (e o consequente custo de oportunidade de não poder ocupar estes metros quadrados com usos do solo mais rentáveis) é transferido àqueles que alugam ou compram esses imóveis, que, por sua vez, o transferem aos consumidores. Em outras palavras, o estacionamento liberado de pagamento encarece as propriedades, os bens e os serviços oferecidos nelas. Dada tal situação, parece justo estabelecer uma cobrança por ele, paga por aqueles que realmente o utilizam, e não por todos os cidadãos.
No caso do estacionamento em espaços públicos, como a rua, também há um alto custo de oportunidade para as cidades, que poderiam destinar estes milhares de metros quadrados orientados ao usufruto de alguns poucos, a usos com maior rentabilidade social, como ciclovias, parques, os calçadas mais amplas.
É necessário pensar o estacionamento como um imã de concreto que atrai automóveis. Isso, usualmente, não é maior problema em periferias que geram pouco deslocamento até elas, mas a provisão em massa de vagas em áreas que concentram uma grande quantidade de destinos de viagem, pode traduzir-se em altos níveis de congestão de veículos, originada por poucos mas sentida por muitos.
O estacionamento é um tema de mobilidade e desenvolvimento urbano, não de direitos do consumidor. O estacionamento não é um serviço básico como a água potável, a rede de esgotos, ou a luz, cuja provisão deve ser garantida pelo Estado para que os cidadãos vivam de forma digna. Se existe algum direito, é a mobilidade, não a possibilidade de conduzir um automóvel particular. Nesse sentido, as políticas públicas devem concentrar-se em fornecer a acessibilidade com opções sustentáveis, como o transporte público, os a circulação a pé ou de bicicletas, ao invés de facilitar o uso do modal que representa os maiores custos econômicos, sociais e ambientas às cidades. Se vamos nos revoltar contra alguma coisa, que seja pela má qualidade das alternativas sustentáveis, não pelo custo ao acesso de privilégios particulares.
Duas formas de enfrentar o problema: ou faltam estacionamentos, ou sobram automóveis. Se acreditamos na primeira hipótese, então a única solução é criar mais vagas o que, como se disse a princípio, tem um custo bastante alto em termos econômicos, ambientais, e também paisagísticos (a menos que, claro, o leitor ache bonito destinar milhares de metros quadrados de cidade para amontoar automóveis). Se, pelo contrário, acreditarmos que existe um excesso de automóveis circulando, então parte da solução irá pelo lado da gestão do espaço ocupado por esses veículos parados na maior parte do tempo.
Nesse sentido, cobrar pelo estacionamento demonstrou ser um poderoso incentivo ao uso mais racional do automóvel e à migração dos motoristas ao transporte público, à bicicleta, ou à caminhada. Está amplamente demonstrado que quando se cobra para estacionar, não só ocorre uma diminuição no fluxo de automóveis ao lugar, mas também se reduz o transito lento de veículos em busca de vagas, o que pode chegar a 30% dos fatores causadores dessas situações em áreas que atraem um alto número de viagens. Isso significa, finalmente, menos congestão, um benefício a toda a cidade.
A gestão dos estacionamentos não deveria ser encarada como negócio: a razão de haver uma cobrança para estacionar é regulamentar o uso de um bem escasso, não arrecadar dinheiro. Apesar disso, em alguns casos o estabelecimento de uma tarifa é capaz de gerar importantes recursos que podem ser aproveitados em diversos projetos de mobilidade, ou de criação de espaços públicos que beneficiariam a toda a cidade, o que criaria um círculo virtuoso no qual os elementos que congestionam são os que geram recursos para melhorar as condições de mobilidade daqueles que preferem utilizar outros modos mais sustentáveis.
Não me canso de repetir o exemplo: The Shard, o edifício mais alto da Europa, localizado em pleno coração de Londres, conta com apenas 48 vagas de estacionamento para as milhares de pessoas que, todos os dias, ocupam os 87 pavimentos. A maioria dessas vagas está destinada a trabalhos de carga e descarga, ou são reservados a pessoas com deficiências. Se esse edifício fornecesse estacionamento abundante, além de gratuito, o trânsito na região onde se encontra simplesmente entraria em colapso diante da chegada em massa de veículos a um único ponto.
A demanda por estacionamento pode variar ao longo do dia ou da semana. Um sistema de cobrança inteligente pode reconhecer essa alteração, adaptando a tarifa de acordo com o comportamento da demanda. Quando há pouca, o estacionamento pode ser oferecido de forma gratuita. Se, pelo contrário, são muitos os que disputam poucas vagas, então é possível aplicar uma tarifa tão alta que possa dissuadir a um importante número de usuários, permitindo que o sistema de estacionamento funcione em uma capacidade ótima. Qual é essa capacidade?
O professor Donald Shoup, que dedicou uma vida a pesquisar o tema do estacionamento, estima um nível de ocupação de cerca de 85%, o que permite que sempre existam algumas vagas disponíveis. O sistema SFpark de São Francisco que Shoup ajudou a desenvolver, funciona sob este sistema de tarifa flexível que diferencia a cobrança por localização e horário. Até o momento os resultados são mais que satisfatórios.
"É que existem cobranças abusivas". Se essa é a preocupação do consumidor, então ele pode fazer o mesmo que eu, e que a maioria das pessoas faz ao encontrar-se em uma loja ou restaurante que nos parece extremamente caros: nos abstemos de consumir ali. Insisto, sempre há uma alternativa ao uso do automóvel particular, particularmente em áreas de alta demanda, e essa alternativa geralmente é mais econômica. Neste sentido, o estacionamento é uma das poucas áreas onde o mercado funciona relativamente bem na cidade: se um centro comercial cobra caro demais, perderá clientes, pelo contrário, se oferece um serviço muito barato -ou grátis- deverá recuperar essa perda potencial por outros meios, que de uma forma ou outra o consumidor acabará pagando. E assim, voltamos ao início: o estacionamento grátis simplesmente não existe.
Fonte: archdaily.com.br, 22 de julho de 2017