"Segregação é uma solução paliativa. O automobilista não entende o ciclista, o motorista de ônibus. Então, em uma cidade planejada e desenhada, essa segregação acontece de outra maneira. Ela é menos sentida e menos restritiva", explica o arquiteto Rafic Jorge Farah, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).
Na rua, pratica-se a pressa e a pressa faz inimigos. "Vou atravessar, mas eu sempre estou olhando para ver se vem motoqueiro. Porque o perigo é motoqueiro", lembrou o chefe de cozinha José Edmilson da Silva. "Os caras são muito abusados. Eles não respeitam a gente. Empurram o retrovisor da gente para passar. Não têm um pingo de respeito", completou o taxista Almir Souza Lopes. "O motoqueiro quer passar para fazer o serviço rápido. O outro não quer deixar a gente passar", rebateu o motoboy Wilson Aparecido da Silva.
"Pior é o ciclista, porque eles ficam querendo andar junto com os carros, atrapalhando. Fica difícil", lembrou o motorista de ônibus Nelson Gonçalves. "Só tem lugar para carro e nem isso mais, porque carro não anda. Tem tanto carro que entrou em colapso", disse a designer e ciclista Renata Winkler. "O motorista que fica parado está estressado e quer ultrapassar para ganhar dois carros", explicou o cineasta Pedro Serrano.
Na contramão, o catador Cícero Francisco puxa a carga e a própria muleta. Ele desafia as ruas que já lhe foram hostis e deixaram a perna atrofiada depois de um atropelamento. "Não tenho nem uma média de quanto eu ando. Eu ando o bairro inteiro todo dia. O dia inteiro, até a noite", contou o catador.
O direito de ir e vir se materializa na rua, mas com algumas contradições, como as que a gente vê na Avenida Paulista. Um dia por ano, a avenida recebe a maior parada gay do mundo. Nos outros, homossexuais correm perigo. A Paulista tem uma praça que homenageia os ciclistas, ao mesmo tempo, ostenta a perturbadora lembrança da ciclista que morreu no local.
"Ela foi fechada por um ônibus e caiu. Quando caiu, o ônibus passou por cima", lembra o cenógrafo e ciclista Renato Botelho.
Pela segurança, pela mobilidade eficiente e pela inclusão, para que lado ir? Como mostra a exposição, não é só o Brasil que está nesta encruzilhada. O ponto de partida ninguém discute: é reconhecer e respeitar o espaço do outro.
"A noção de espaço público é fundamental. O brasileiro não distingue muito o público e o privado. Vamos ser uma grande nação na hora que a gente respeitar o outro", concluiu o arquiteto Rafic Jorge Farah, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).
Essa mostra, no Museu da Casa Brasileira, fica em cartaz até o dia 11 de setembro, data em que o mundo vai voltar a olhar para as ruas de Nova York e discutir o que mudou, dez anos depois dos ataques terroristas às torres gêmeas.
Fonte: programa Bom Dia Brasil (TV Globo), 25 de agosto de 2011