Há um senso de que para a "cidade" o transporte coletivo é melhor que o transporte individual.
Isso porque o veículo do transporte coletivo conduz mais pessoas por m2 equivalente do que o automóvel. Considerando que os dois concorrem na mesma área viária, o veículo coletivo seria mais produtivo. Haveria menos veículos circulando para o mesmo número de pessoas e, consequentemente, menores congestionamentos.
O que é válido em teoria nem sempre se confirma na prática. A primeira questão é saber quem é "a cidade". Cada qual se considera representante da cidade. E são sempre os outros que perturbam a "sua cidade".
A equação não pode considerar apenas os veículos pelas suas dimensões, mas também a sua velocidade e parada. Além da sua flexibilidade em buscas de faixas ou vias alternativas em caso de algum acidente ou obstáculo. O que os transporteiros caracterizam como impedância, ou seja, elementos ou fatores que causam resistência à fluidez do trânsito.
Os automóveis, sem impedância, trafegam com velocidade maior que os ônibus, ocupando uma área menor durante um mesmo intervalo de tempo.
O problema maior, no entanto, está nas paradas, seja para embarque, desembarque ou para permanência por mais tempo, ou seja, o estacionamento.
O estacionamento na via pública reduz a faixa de tráfego. Se a via tem um grande trânsito de veículos, a redução da área viária gera um afunilamento, causando congestionamentos.
Além da redução do espaço viário, as manobras para estacionar ou sair da vaga podem causar uma perturbação no trânsito em função da concorrência com outros veículos.
O mesmo ocorre com as eventuais paradas dos automóveis na vida pública para embarque ou desembarque de pessoas, gerando uma paralisação momentânea no fluxo de veículos.
Os ônibus, pelo seu tamanho e sua capacidade, geram uma impedância maior, pela área ocupada e pelo tempo de parada.
Os automóveis, pelo seu tamanho e flexibilidade, podem parar ou estacionar em áreas privadas, gerando problemas no fluxo de trânsito apenas por seu ingresso ou saída da respectiva área privada. Ou seja, da sua garagem ou de estacionamento coletivo interno. Foi dentro dessa visão de perturbação da fluidez do trânsito que a Prefeitura Municipal de São Paulo resolveu proibir a circulação e a parada dos ônibus rodoviários, caracterizados como "fretados". Obrigou os fretados a irem parar em áreas supostamente com menos trânsito e junto a estações de Metrô ou da CPTM.
Não havendo, no entanto, áreas privadas para a parada e estacionamento dos ônibus, transferiu a impedância de um ponto a outro.
A expectativa da autoridade municipal é que os passageiros dos fretados façam uma baldeação num ponto de menor demanda, ou com mais espaços viários, chegando aos seus destinos - áreas de maior demanda - por meios coletivos de menor grau de impedância.
Isso seria válido quando esse meio é um metrô, com estações subterrâneas ou aéreas sem concorrência com os demais veículos nas vias públicas superficiais. Deixa de sê-lo quando a transferência é feita para um outro ônibus, que causa os mesmos problemas dos fretados. Não seria por outro motivo que a Prefeitura suspendeu as restrições aos fretados na Berrini.
Os impactos efetivos dessas restrições não estarão apenas na momentânea melhoria na fluidez na região da Avenida Paulista, o principal foco daquelas. A provável substituição do fretado pelo carro particular fará com que aumente o trânsito de veículos na região, com aumento da demanda por estacionamentos.
Mas também não será a solução definitiva para os usuários.
Com as restrições, uma parte seguirá o esquema proposto e previsto pela Prefeitura Municipal. Continuará vindo de fretado, descendo junto às estações de metrô, alcançando o seu destino na região da Paulista pelo trem. Os que estiverem mais próximos às estações, apesar do sacrifício de um trem lotado (porque se movimentam nos horários de pico), estarão mais propensos. Os que estão mais distantes serão tentados ou levados a optar pelo uso do seu automóvel.
Isso se encontrarem uma vaga não paga a distâncias menores do que da estação do metrô até o seu destino, seja um escritório ou uma loja.
Se tiverem de pagar o estacionamento, com mensalidades ou diárias, acabarão preferindo a solução fretado + metrô, ou mudar de local de trabalho. Ou de moradia.
Os fretados ocuparam um "espaço vazio" na dinâmica urbana. Com as restrições esse espaço foi proibido. A dinâmica urbana se ajustará. O que pouco se sabe é quem vai ganhar e quem vai perder a médio prazo.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.