Veja a seguir a íntegra do veto, publicado no Diário Oficial do Estado, em junho de 2009:
VETO TOTAL
AO PROJETO DE LEI Nº 1286, DE 2007
Mensagem nº 72, do Sr. Governador do Estado
São Paulo, 9 de junho de 2009
Senhor Presidente
Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, para os devidos fins, que, nos termos do artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso IV, da Constituição do Estado, resolvo vetar, totalmente, o Projeto de lei nº 1286, de 2007, aprovado por essa nobre Assembleia, conforme Autógrafo nº 28.331, em face de sua irremissível inconstitucionalidade.
De origem parlamentar, a propositura dispensa o pagamento pelo uso de estacionamentos em "shopping centers" e hipermercados por clientes que: a) comprovem despesa correspondente a, pelo menos, 10 vezes o valor fixado para utilização desses espaços; b) apresentem notas fiscais de despesas efetuadas na mesma data em que foi postulada a gratuidade; c) comprovem permanência no estabelecimento por período máximo de 6 horas.
Ficam também dispensados de pagamento pelo uso dos estacionamentos de que trata a proposição, sem quaisquer exigências, clientes que mantenham seus veículos no local por até 20 minutos.
Medidas de igual matiz, oriundas de Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, têm sido refutadas pelo Poder judiciário por mácula de inconstitucionalidade.
Tive a oportunidade de externar, com o veto que opus ao Projeto de lei nº 183/05, provindo da Câmara Municipal Paulista, que igualmente dispensava clientes do pagamento pelo uso de estacionamentos em estabelecimentos comerciais, minha convicção de que propostas dessa natureza não se coadunam com as regras de partilha de competências outorgadas, pela Constituição da República, aos entes políticos que integram a Federação, e que se qualificam como um dos pilares do federalismo brasileiro.
A propositura em exame reproduz, em suma, as regras contidas no Projeto de lei nº 35/05, sobre o qual recaiu veto (Mensagem nº 152/05), cujas razões foram acolhidas por esse Parlamento, conforme despacho da Presidência datado de 6/6/07, publicado no dia 7 subsequente, com a respectiva rejeição do projeto.
A matéria versada na proposição incide em inconstitucionalidade material, por ofensa ao preceito contido no artigo 5º, XXII, da constituição Federal, consubstanciando grave afronta ao exercício normal e ordinário do direito de propriedade, e incorre, também, em inconstitucionalidade formal ao usurpar competência privativa da união para legislar sobre direito civil (artigo 22, I, da Carta Política).
A par disso, de acordo com o disposto no artigo 174 da Constituição da República, o estado somente poderá exercer, como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e apenas indicativo para o setor privado.
Instados a se manifestarem sobre leis de igual jaez, os Tribunais de justiça dos estados têm reconhecido, sem divergências, a inconstitucionalidade desses diplomas legais. Constituem exemplos dessas decisões: no Estado de São Paulo, as ADIN'S nºs 84.568-0/6, 124.923/0-7-00 e 131.695-0/1-00; no Estado do Rio de Janeiro, as Representações por Inconstitucionalidade - RI'S nºs. 64/97, 65/97, 32/98, 69/99, 156/04, 31/05, 57/06 e 57/06; no Estado de Santa Catarina, a ADIN nº 2002.018326-7 e o MS nº 2006.03324-3; no Estado do Paraná, a ADIN nº 358.691-4; no Estado do Rio Grande do Sul, o MS-PCB nº 70002028884-2000-Cível.
Esse entendimento, que as mencionadas Cortes locais perfilharam uniformemente, já está consagrado pelo Supremo Tribunal Federal nos pronunciamentos exarados sobre leis de teor análogo, a saber:
"Enquanto a União regula o direito de propriedade e estabelece as regras substantivas de intervenção no domínio econômico, os outros níveis de governo apenas exercem o policiamento administrativo do uso da propriedade e da atividade econômica dos particulares, tendo em vista, sempre, as normas substantivas editadas pela União." (ADIN nº 1.918-1)
"Plausibilidade do fundamento da inconstitucionalidade, no caso, não apenas material, mas também formal, do dispositivo impugnado, por importar restrição que não configura limitação administrativa, da espécie que sujeita o proprietário urbano à observância de posturas municipais ditadas por razoes de interesse público, de natureza urbanísticas, sanitária ou de segurança, mas, ao revés, grave afronta ao exercício normal e ordinário do direito de propriedade, assegurado no dispositivo indicado da Constituição, com flagrante invasão de campo legislativo próprio do direito civil, de competência privativa da União (art. 22, I)." (ADIMC-1472-2-DF)
"Tendo em vista o precedente invocado na inicial - o da concessão de liminar na ADIN nº 1.472 que versa hipótese análoga à presente - não há dúvida de que é relevante a fundamentação jurídica do pedido, quer sob o aspecto da inconstitucionalidade material (ofensa ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, por ocorrência de grave afronta ao exercício normal do direito de propriedade), quer sob o ângulo da inconstitucionalidade formal (ofensa ao artigo 22, I, da Carta Magna, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil)". (ADIMC-1623-RJ)
A propósito do tema, o Ministro Sidney Sanches, ao relatar a ADIN nº 2448-5, que suscitou a inconstitucionalidade da Lei nº 2.702, de 4 de abril de 2001, do Distrito Federal, asseverou:
"... conquanto não seja absoluta a proteção à propriedade no novel ordenamento constitucional, as hipóteses de apropriação de bens privados hão de obedecer, rigorosamente, aos parâmetros fixados na Lei Maior. Na espécie, a intervenção estatal não recaiu sobre abuso ou distorção do poder econômico privado ou do mercado, mas sobre o exercício normal de direito previsto no prefalado art. 5º, inciso XXII."
A mesma diretriz foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.223, de 28 de junho de 2005, do Estado de Goiás, que concedia isenção de pagamento em estacionamento em locais determinados ("shopping centers", hipermercados, instituições de ensino, rodoviárias e aeroportos), sob o argumento de que a norma estabelecia limitação genérica ao exercício do direito de propriedade, limitação essa para qual seria competente a União, consoante decorre do artigo 22, I, da CF (ADI nº 3.710-2/GO, Min. Joaquim Barbosa, j. em 9.2.07).
Não remanescem dúvidas, portanto, de que a propositura é materialmente inconstitucional por limitar o exercício do direito de propriedade assegurado na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXII), cujas restrições devem se ater, rigorosamente, aos parâmetros traçados na Lei Maior, e só podem ser concretizadas por ato que decorra do Poder Central, no exercício da competência exclusiva para legislar sobre direito civil (CF., artigo 22, I).
Ademais, não se trata de matéria de competência do Estado concernente ao consumo, tendo em vista que a hipótese se enquadra, claramente, no rol daquelas em que se dá a intervenção do Poder Público na propriedade privada e na ordem econômica, como reiteradamente têm proclamado as Cortes de Justiça, segundo as quais, questões tais como as versadas na propositura devem ser disciplinadas exclusivamente pela União, nos termos e nos limites autorizados pelos artigos 173 e 174 da Carta Constitucional.
Fundamentado, nesses termos, o veto total que oponho ao Projeto de lei n 1286, de 2007, restituo a matéria ao reexame dessa ilustre Casa legislativa.
Reitero a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.
José Serra
GOVERNADOR DO ESTADO
A Sua Excelência o Senhor Deputado Barros Munhoz, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado.