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A Folha de S. Paulo fez a seguinte pergunta a dois especialistas: "A Prefeitura de São Paulo acerta ao restringir a circulação dos ônibus fretados?". Veja a seguir as respostas de Irineu Gnecco Filho e Horácio Augusto Figueira:

"SIM" - Irineu Gnecco Filho, diretor de Planejamento e Segurança da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo.

O desafio de regular o espaço público

São Paulo é uma cidade de 11 milhões de habitantes que diariamente saem de suas casas, usufruindo o direito de ir e vir, a bordo de uma frota circulante de aproximadamente 3,5 milhões de veículos. Todo esse movimento não se dá de forma distribuída no espaço e, muito menos, no tempo. A grande maioria sai com destino ao trabalho ou à escola logo cedo e faz o caminho inverso no final da tarde ou começo da noite. Imensos contingentes se dirigem a alguns poucos pontos nevrálgicos. O desafio de fazer com que as vias comportem toda essa massa em movimento é comum aos gestores das grandes metrópoles. Cabe ao poder municipal mediar conflitos de interesse em relação ao uso do espaço público viário, e a Prefeitura sabe que só há um caminho: organizar o trânsito e investir no transporte público.
Ao andar por Londres ou Tóquio, ninguém verá caminhões trafegando pelas ruas centrais e muito menos ônibus que não pertencem ao sistema público de transporte parando de ponto em ponto. É necessário estabelecer horários, rotas e tipos de veículo para evitar que todos se aglomerem nos locais mais procurados na hora que for mais conveniente. Foi assim, inicialmente, com os proprietários de carros particulares, por ocasião da adoção do rodízio de placas. Foi assim, no ano passado, com os caminhões, que foram obrigados a se programarem para entrar na área de restrição só no período noturno. Ambas as medidas trouxeram ganhos incontestáveis para a fluidez do trânsito e para os níveis de poluição.
Estudos realizados pela Secretaria Municipal de Transportes mostraram que um grande número de veículos fretados trafegava no mesmo horário em vias importantes da cidade, parando em vários lugares e dificultando a passagem dos demais veículos, especialmente dos coletivos da rede municipal. Ficou clara a necessidade de regulamentar esse tipo de atividade de modo a coibir os excessos. A regulamentação foi feita e a expectativa era obter um ganho de 11% na fluidez do trânsito dentro da área de restrição. Os primeiros resultados superaram as projeções. No primeiro dia, mesmo com a chuva e as dificuldades naturais de uma nova rotina, o ganho em termos de fluidez, no pico da manhã dos fretados (7h às 8h30), foi de 11,5%. No pico da tarde, a diferença cresceu para 13%. Na terça-feira, os números foram ainda melhores, sendo registrada queda na lentidão de 25% pela manhã e de 26% pela tarde.
Porém, os resultados que mais interessam à Prefeitura são os obtidos na velocidade dos coletivos públicos. Nos quatro primeiros dias da restrição, a velocidade dos ônibus municipais que circulam na Radial Leste, no horário da manhã, em direção ao parque Dom Pedro, aumentou, em média, 7,5%. No período da tarde, no sentido oposto, o ganho foi de 5,1%. No corredor da Avenida 23 de Maio, os coletivos da rede municipal rodaram, em média, 3,6% mais rápido pela manhã. À tarde, os ônibus para o Centro desenvolveram velocidade 13,5% superior à média dos últimos dois meses.
Apesar de ser um período curto para uma avaliação definitiva, os índices apontam uma clara tendência de sucesso da regulamentação. E mostram, sobretudo, como é possível, com mudanças que atingem uma parcela mínima das pessoas que circulam por São Paulo, obter ganhos que representam uma melhora na qualidade de vida de todos. Só esses dados já justificam a adoção das novas medidas, mas elas trarão outros avanços, que virão ao longo do tempo. Um deles é a renovação da frota, que proporcionará mais conforto e segurança para os passageiros. Mas o mais importante é a queda nos níveis de poluição aérea da cidade. A redução dos congestionamentos, o combustível mais limpo que os veículos fretados serão obrigados a utilizar e a inspeção veicular à qual terão de se submeter garantirão uma menor emissão de poluentes no ar, que será sentida por todos.
Por todos esses motivos, só posso reafirmar minha convicção de que a nova regulamentação do transporte fretado de passageiros é uma decisão acertada e dizer que estou profundamente satisfeito por fazer parte de uma administração municipal que teve a coragem de enfrentar o problema de forma aberta e democrática e aplicar a solução melhor para toda a população de São Paulo.

"NÃO" - Horácio Augusto Figueira, mestre em engenharia de transportes pela USP, é consultor independente em engenharia de tráfego e de transportes e vice-presidente da Associação Brasileira de Pedestres.

Alvo errado

O sistema de ônibus possui uma natureza que o qualifica como meio essencial aos deslocamentos urbanos. A essência da função de transporte exercida pelos ônibus dentro do sistema urbano pode ser comprovada facilmente, raciocinando por absurdo, numa situação de uma cidade hipotética onde só existisse um meio de transporte. Na situação extrema de uma grande cidade em que só circulassem automóveis, seria necessária a existência de uma malha cerrada de vias expressas, trevos e espaços para estacionamento que impediriam a própria existência da cidade. Como escreveu Arthur C. Clarke no livro "Perfil do Futuro", de 1962: "(...) os veículos - exceto os de utilidade pública - não podem por muito tempo ser permitidos em áreas urbanas. Se os carros particulares continuarem a trafegar no interior das cidades, teremos de colocar todos os edifícios sobre pilotis, a fim de que toda a área do terreno seja usada para avenidas e parques de estacionamento, e mesmo isso não resolverá o problema".
No entanto, pode-se imaginar uma cidade em que só existam ônibus. Sendo um sistema de média capacidade e de trajetos flexíveis, é possível encontrar um arranjo para os desejos de viagens dos usuários em termos de origem-destino e de conforto em que o sistema urbano não será fundamentalmente diferente do que se conhece e se aceita como sendo uma cidade, sem contar as consideráveis facilidades de adaptação às transformações intraurbanas e à expansão de áreas periféricas.
Para transportar 35 pessoas viajando sentadas numa faixa de tráfego, um ônibus convencional ocupa 15 metros. Por sua vez, para transportar as mesmas pessoas em carros, são necessários 25 automóveis (ocupação média de 1,4 pessoa/automóvel e 6 metros/automóvel) e cerca de 150 metros - ou seja, forma-se uma fila de uma quadra e meia. Os usuários do transporte individual impõem à sociedade os maiores dispêndios em energia, investimentos para obras de sistemas viários com eficiência duvidosa, custos dos congestionamentos, poluição do meio ambiente, acidentes de trânsito, doenças respiratórias etc. É preciso criar urgentemente o conceito de "engenharia de transporte de pessoas", incluindo o pedestre, e não só o de "engenharia de tráfego de veículos individuais".
Para corroborar esses conceitos, consolidados no meio técnico, e ter números sobre a demanda real de veículos e pessoas, realizei para o setor de fretamento uma pesquisa técnica independente nas avenidas Paulista, Engenheiro Luiz Carlos Berrini e Brigadeiro Faria Lima, no horário das 15h às 20h, em dias úteis, durante o mês de junho deste ano. Para o cálculo do volume de tráfego de veículos, é necessário conhecer a composição do tráfego e, para os veículos de dimensões maiores, usa-se um fator de equivalência em UCP (unidade de carro de passeio). Em termos de engenharia de tráfego, a pesquisa mostrou que o volume de veículos que está causando a maior ocupação das vias pesquisadas e com menor eficiência é o de automóveis/utilitários, táxis e motos, com 87,6% de participação do total em UCP e transportando, em contrapartida, apenas 48,6% das pessoas.
Por sua vez, o transporte coletivo como um todo (SPTrans, EMTU, escolar, fretado etc.) representa apenas 11,8% da ocupação total do viário em UCP e transporta 50,9% das pessoas. No caso específico dos ônibus fretados, eles representam apenas 2,6% do tráfego em UCP, mas transportam 17,5% das pessoas nas seções e horários pesquisados. É importante observar que, no caso dos automóveis e táxis, 70% deles circulam somente com o condutor. O congestionamento em São Paulo não é, com certeza, causado pelo transporte coletivo e muito menos devido ao fretamento. É causado, isto sim, pelo transporte individual, que ocupa cerca de dez vezes mais espaço no sistema viário. Se cada ônibus fretado eliminado gerar no mínimo três novas viagens de automóveis, o resultado em termos de tráfego em UCP será o aumento da fila de congestionamentos.
Fonte: Folha de S. Paulo, 1º de agosto de 2009

Categoria: Geral


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