Dono de uma escola de windsurfe nas margens da represa, o empresário de 44 anos começou a cruzar o reservatório em um barco para poupar seu tempo. Logo a notícia se espalhou e a vizinhança quis tirar proveito. Hoje, ele leva não só os filhos, mas outras oito crianças. São duas viagens: a primeira, às 6h30, vai rumo à margem mais distante, onde uma van espera pelos estudantes que vão encarar 20 minutos de asfalto. A outra sai às 6h50 e demora os ínfimos cinco minutos citados acima. O custo é rateado pelos pais, que pagam R$ 200 mensais pelo transporte. "Alguns pais e mães iam até a escola e voltavam, ficavam o dobro do tempo no trânsito. Agora, todos ganharam quase uma hora e meia por dia, tempo que a maioria usa para fazer outra atividade", diz Munhoz. Tal como ele e os pais de seus passageiros, muitos motoristas tiveram de rever suas rotinas por causa dos congestionamentos que travam os centros urbanos brasileiros - especialmente nos horários de pico.
Eduardo Ariel Grunewald é um exemplo. O administrador de empresas trocou "uma hora e meia de locomoção por meia hora de locomoção e uma de qualidade de vida", como define. Distante 23 km de seu trabalho, Eduardo saía de casa às 7 horas para conseguir chegar às 8h30 no escritório. Ele não estava só na peregrinação. Na cidade de São Paulo, 23% da população gasta mais de uma hora para ir trabalhar. No Rio, o percentual chega a 22%; 13,2% em Belo Horizonte; 12,7% em Recife; e 12,2% em Salvador - segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Apesar de odiar engarrafamentos, ele nunca cogitou mudar de emprego ou de casa. "Quando não tinha de visitar clientes, preferia até pegar metrô ou trem. Mas o número de estações aumentou e a quantidade de vagões, não. Aí, ficou muito cheio e desisti", conta. Em seu veículo, certa vez, levou 2 horas e 50 minutos para se deslocar. Foi o estopim para reorganizar sua vida: começou a sair de casa às 6h10 e usar o tempo livre, após deixar os filhos na escola, para ir ao parque Villa-Lobos. Lá, junto a outros madrugadores, ele corre.
Além dos efeitos físicos, o engarrafamento pode causar estresse e aumentar a agressividade do condutor. Para não correr o risco de ser pego pela irritação, o técnico em eletrônica Murilo Rodrigues prefere dormir! Ele sempre teve de madrugar para não perder a hora. Porém, no decorrer dos anos, precisou colocar o despertador para tocar cada vez mais cedo. "Se saio de casa às 6h30, chego às 8h15, 8h20. Não bato cartão, mas não é legal. O pessoal começa a fazer piada", conta.
Para evitar as brincadeiras, ele se levanta às 5 horas, toma banho, pendura a camisa no cabide para não amassar e parte de carro do município de Barueri para a zona sul de São Paulo. Passados 45 minutos, na rua ainda deserta da empresa, ele reclina o encosto do banco, tira os sapatos, se acomoda com os pés sobre o painel e... cochila.
Murilo prefere dormir uma hora no carro a ter que dirigir durante 1h50. Agora leva 45 minutos. Ao menos Murilo, Eduardo e Ricardo escolheram quais hábitos mudar. Marilisa Mira não teve opções. Quando conheceu o marido, Daniel Ramos, ele já morava em Guarulhos, para onde tinha se mudado por não suportar a ideia de enfrentar 45 minutos de trânsito pesado antes de encarar a estafante rotina de controlador de voo, no aeroporto de Cumbica. O casamento não o fez rever a decisão, apesar de Marilisa insistir na ideia. "Não gosto da cidade, não me sinto à vontade... Preferia encarar uma hora de trânsito todos os dias. Mas admito que, com os horários malucos de nossas escalas, é bom estar a dez minutos do aeroporto", conta ela, que compartilha a mesma profissão. Enquanto o relógio não para - e o trânsito só piora - cada um dá o seu jeito de, também, não ficar parado.
Fonte: revista AutoEsporte, 12 de março de 2011