A primeira legislação nacional de trânsito foi assinada em 1910, pelo então presidente Nilo Peçanha. Trata-se do Decreto 8.324, que tinha o objetivo de criar regras para o transporte de passageiros e de carga. Tudo isso em uma época em que os carros particulares eram raridade, assim como as ruas e avenidas. Por causa disso, um dos artigos previa justamente formas de concessão das vias para a iniciativa privada e como elas deveriam ser construídas.
"Era uma regra que buscava o desenvolvimento do País, incentivando a construção das estradas", diz o coronel José Ricardo Cintra, ex-comandante do Batalhão de Trânsito do Distrito Federal e especialista em legislação de trânsito. Ele acrescenta que o decreto também trazia algumas regras de tráfego. "Mas, em alguns casos, elas eram o contrário do que temos hoje."
O coronel se refere principalmente a dois artigos que tratam de velocidade e uso da buzina. Ao contrário de hoje, o decreto não previa um limite máximo de velocidade e sim um mínimo. Veículos de mercadorias deveriam andar a pelo menos 6 km/h e os de passageiros, a 12 km/h.
Outra diferença é que atualmente a buzina só deve ser usada em casos de urgência. O artigo 23 do texto da época informa - em português arcaico - que "approximação dos automóveis deverá ser annunciada á distancia por uma buzina ou trompa".
Ordem
Regras mais específicas já existiam em alguns municípios, mas foi só em 1928 que uma nova legislação nacional teve o caráter de colocar ordem no trânsito. O Decreto 18.323 regulamentou no País pontos definidos pela Convenção de Paris, da qual o Brasil foi signatário. Nessa época foi determinado o lado de circulação dos veículos e a instalação de placas com números para identificá-los - e as ruas ganharam sinalização. A legislação também previa a "polícia das estradas", embrião da atual Polícia Rodoviária.
Depois disso, o Brasil ganhou quatro Códigos de Trânsito - dois em 1941, um em 1966 e o atual, de 1997. Também foram editadas ao menos mil resoluções pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão criado pelo primeiro código. Todo o material foi reunido pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) no livro 100 anos de Legislação de Trânsito no Brasil.
A cada código, os carros eram obrigados a ter novos equipamentos de segurança, como espelhos retrovisores e indicadores de direção (setas). Os motoristas também ganharam responsabilidades, sendo obrigados, por exemplo, a prestar socorro aos acidentados.
Mas nem todos trouxeram só avanços ao desenvolvimento do trânsito e da sociedade. Um artigo do segundo código previa uma discriminação: um motorista de táxi poderia recusar um passageiro que fosse "portador de doença repugnante visível", "maltrapilho", "delinquente", ou estivesse em "estado de embriaguez".
Cinto de segurança
O Código de 1966 foi o mais duradouro. Nele, já estavam presentes a obrigatoriedade do cinto de segurança e as faixas de pedestres. O primeiro só passou a ser fiscalizado nos anos 1990. Até hoje, autoridades lutam para que pedestres nas faixas sejam respeitados. "Se uma lei não está ao alcance das pessoas, ela não pega. Você precisa conscientizar e exigir o cumprimento", diz Dílson de Almeida Souza, assessor técnico do Contran.
Foi em 1997 que o Brasil ganhou seu código mais recente. "Com o passar do tempo, houve um aumento na preocupação com segurança", diz o especialista em legislação Julyver Modesto de Araújo. Entre os avanços, ele cita a transferência aos municípios da gerência do trânsito. "Mas ainda é uma colcha de retalhos. Temos artigos que remetem a outros que sequer existem, pois foram vetados. E outros, como multa para pedestre, não pegaram."
Fonte: O Estado de S. Paulo, 20 de junho de 2010