Aqui ou no exterior, tudo é motivo para apelidar um automóvel. Pode ser o desenho, uma característica técnica ou mesmo a falta de potência. Que o diga o Simca Chambord, lançado em 1959 com um motor V8 de apenas 84 cv e desempenho insuficiente: logo ficou conhecido como "Belo Antônio", personagem de Marcello Mastroianni no filme homônimo ítalo-francês de 1960 que - como o sedã - era elegante, mas impotente. Mais tarde, nos anos 70, a própria denominação do carro esporte Volkswagen SP2, que significava sport prototype, virou "sem potência" na boca do povo.
Nossos primeiros automóveis, é verdade, facilitavam a criação dos apelidos. Sem primar pela resistência, os pioneiros Renaults Dauphine e Gordini eram chamados de "leite Glória" em alusão ao mote desse leite em pó, "desmancha sem bater". Pela precária estabilidade, a suspensão adotada por eles em 1960 - a Aerostable - virou "aerocapotable" na boca do povo. No concorrente DKW-Vemag Belcar, as portas dianteiras com abertura inversa (chamadas aqui e no exterior de "suicidas") transformaram a pronúncia da marca de "decavê" (DKW) para "dechavê", pois "deixavam ver" algo mais quando as moças de saia entravam e saíam do carro.
Caso bem conhecido é o do VW 1600 sedã de quatro portas de 1968, que teve o azar de nascer sem nome, ficando a deixa para o público. As formas quadradas e as quatro maçanetas cromadas foram a inspiração e o sedã virou o "Zé do Caixão", nome de guerra do ator e cineasta José Mojica Marins.
O próprio Fusca ganhou inúmeros apelidos mundo afora, a maioria por causa da semelhança de formas com um inseto: besouro no Brasil, carocha em Portugal, maggiolino na Itália, beetle ou bug nos Estados Unidos, escarabajo na Espanha, coccinelle na França e na Bélgica. Ao lançar sua última interpretação, em 2011, a VW alemã permitiu que cada filial adotasse o nome ou apelido usual no país, o que fez renascer o Fusca entre nós.
Quando o Fusca ganhou lanternas traseiras grandes e circulares, em 1979, não demorou a ser apelidado de Fafá, alusão aos seios fartos da cantora Fafá de Belém (em Portugal, contudo, era o Fusca "pata de elefante"). Esse tipo de "homenagem" não era inédito: nos anos 50 as protuberâncias do para-choque dianteiro de Cadillacs como o Eldorado, nos Estados Unidos, eram chamadas de dagmars em referência ao busto de Dagmar, uma atriz e modelo norte-americana.
Mesmo automóveis que estrearam com grande sucesso, como o Corsa em 1994, foram rebatizados pelo público. Todo arredondado, rompendo os padrões de estilo retilíneos de então, o pequeno Chevrolet foi chamado por alguns de Kinderovo, marca de um pequeno ovo de chocolate. Pela mesma razão o Gol de segunda geração, lançado poucos meses depois, tornou-se conhecido como "bola" ou "bolinha" para se diferenciar do antigo "quadrado" ou "caixa". Na França dos anos 30, o alongado Talbot-Lago ganhou os apelidos de goutte d'eau (gota d'água) em francês e teardrop (lágrima) em inglês.
O apelido também pode se referir a certa semelhança com um animal, caso do Monza "tubarão" (o modelo 1991, com frente comprida e uma grande "boca" para entrada de ar no para-choque), apelido que já havia sido aplicado ao primeiro Chevette, feito de 1973 a 1977. Ou o Ford Fiesta "gatinho" (de 2000 em diante, com faróis que lembram os olhos do felino), o Citroen DS "sapo" (pela forma da carroceria, incomum em 1955) e a VW Variant "cabeça de bagre", pela frente adotada em 1971.
Casos semelhantes também aconteceram lá fora, com o Alfa Romeo Spider duck-tail ou "rabo de pato" (pelo defletor na tampa do porta-malas), o BMW CS "nariz de tubarão", o Mercedes-Benz 300 SL gull-wing ou "asas de gaivota" (alusão às portas que se abriam para cima), o Subaru Impreza com "olhos de inseto" (os grandes faróis ovalados adotados em 2000) e, claro, o Cadillac "rabo de peixe", de 1948 em diante, por suas aletas nos para-lamas traseiros.
O Ford Thunderbird de primeira geração, leve e harmonioso, era o Little Bird ou passarinho; o retilíneo modelo 1958 tornou-se Squarebird, pássaro quadrado; e a frente bicuda de 1961 rendeu a alcunha de Bullet Bird ou pássaro-bala. O Jeep com maior entre-eixos tornou-se o "Bernardão", por ser produzido em São Bernardo do Campo, SP. Aumentativo também se aplicou à VW Variant II, ou "Variantão", embora "Brasilião" tivesse sido mais adequado por sua semelhança de formas com o Brasília.
A picape Chevrolet 3100 de 1956, com distância entre eixos 5 cm maior que a das anteriores, ganhou o apelido de Marta Rocha: diz a lenda que por tal medida a mais nos quadris a Miss Brasil homônima (só que com "h", Martha) havia perdido nos EUA, em 1954, a chance de obter o título de Miss Universo. E a primeira versão da perua DKW-Vemag, que inaugurou nossa produção de automóveis em 1956, ficou conhecida como "risadinha" pela forma da grade de cinco frisos.
A ligação com políticos também aparece nos nomes populares. O Mercedes 300 lançado em 1951 é identificado como Adenauer por ter sido o carro oficial do chanceler alemão Konrad Adenauer. No Brasil, Fusca Itamar é como chamamos a reedição feita entre 1993 e 1996 a pedido do então presidente Itamar Franco, um admirador do modelo.
Até as cores podem dar motivos à criatividade popular. Modelos com pintura em dois tons, no passado, eram conhecidos como "saia e blusa". O Renault 4CV - que aqui foi apelidado de "rabo quente" por ter motor traseiro, antes mesmo do Fusca - era na Europa a "barra de manteiga", pois a fábrica aproveitou sobras de tinta bege-clara da Segunda Guerra Mundial por algum tempo. O Voyage Los Angeles, série especial de 1984 em um tom chamativo de azul, virou "tampa de panela".
Teimoso, Caiçara e Pé de Boi podem parecer apelidos, mas eram os nomes oficiais das versões populares, despojadas ao extremo, dos modelos Renault Gordini, DKW Vemaguet e Volkswagen na década de 1960. Assim como Candango era a denominação da fábrica para o jipe DKW, em homenagem aos trabalhadores que construíram Brasília. No caso do Gordini, a "teimosia" teria vindo de um teste no qual o modelo continuou correndo em autódromo mesmo após uma capotagem.
E a lista de apelidos vai longe. O BMW 3.0 CSL dos anos 70, com enormes aerofólios, virou o Batmóvel e os carros da marca em geral são conhecidos como Bimmers pelos admiradores. Nosso Fiat 147, primeiro carro a álcool em produção no mundo, virou "cachacinha". Até Fusca é um apelido, derivado da pronúncia alemã de Volks, já que naquele idioma o "v" tem som de "f". Só que acabou adotado pelo fabricante, tanto no modelo original - de 1983 em diante - quanto em sua nova interpretação.
Fonte: Bestcars, 22 de janeiro de 2013