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Em fevereiro de 2002, um ano antes de o pedágio urbano começar a funcionar em Londres, a velocidade média no centro da cidade era de 14,3 km por hora. Durante boa parte do dia, o tráfego travava e os motoristas demoravam dez vezes mais para percorrer um trecho nessa região do que em qualquer outro município inglês. Presos nos engarrafamentos, os ônibus não conseguiam honrar a pontualidade britânica que os tornara tão famosos no mundo, e empresários reclamavam de prejuízos. "Não faltavam indicações técnicas e econômicas para a implantação", lembra Charles Buckingham, gerente de monitoramento e análise da Transport for London (TFL), órgão equivalente à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo.
"Às 10h30, o primeiro boletim mostrou reduções ainda maiores que as esperadas", conta o técnico. No primeiro ano, os congestionamentos caíram 30%, o dobro do previsto.
É inevitável comparar a Londres de dez anos atrás à São Paulo de agora. A capital inglesa é a prova viva de que os gravíssimos problemas de trânsito que sufocam a maioria das metrópoles do planeta não se resolvem apenas com o transporte público. Se fosse assim, Tóquio, Nova York e Paris, por exemplo, seriam um paraíso para os motoristas - e não um inferno nos horários de pico. Como as autoridades britânicas perceberam, é necessário restringir e taxar de alguma forma o uso do automóvel em determinadas áreas e com regras claras. São eles, os carros, não os ônibus, os causadores dos engarrafamentos.
A disputa pelas faixas só aumenta. Em 2011, entraram 400.000 novos veículos nas ruas, engrossando a frota cadastrada, que é de mais de 7 milhões. Não há dúvida de que se trata de um quadro insustentável, e as medidas mais recentes, como restrições a caminhões em algumas áreas, não trouxeram alívio significativo. Por isso, causou furor entre especialistas em trânsito um artigo assinado por Marcelo Cardinale Branco, secretário de Transportes e também chefe da CET, publicado pelo jornal "Folha de S. Paulo" no início do mês, em que ele defendeu enfaticamente o pedágio urbano.
Trata-se, afinal, de uma medida impopular, pelo menos até fazer efeito, exatamente como aconteceu com o rodízio de veículos, de que ninguém gosta, mas sem o qual os congestionamentos seriam ainda mais insuportáveis.
A estimativa entre especialistas é que cerca de 30% dos paulistanos deixariam o carro em casa se nossas ruas fossem pedagiadas.
Um levantamento do Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Abril Mídia com 3.458 motoristas de carro, em março, mostrou que 80% eram contrários ao pedágio.
Isso não acontece à toa, já que não faltam tarifas a corroer nosso orçamento. "É injusto cobrar do cidadão a falha do governo, que não investiu na ampliação da malha metroviária com a devida eficiência", diz o engenheiro e mestre em Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Sergio Ejzenberg. Não se pode esquecer, porém, que o tráfego travado tem hoje esse papel nefasto sobre nosso dinheiro. Tome-se o gasto com combustível. Teste publicado por Veja São Paulo no ano passado mostrou que um motorista gastava o triplo de gasolina ao percorrer a Avenida 23 de Maio no horário de pico na comparação com o horário de fluxo livre.
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Cândido Malta calcula que, para abranger o centro expandido, seria necessária a instalação de pelo menos 45 portais em corredores como as marginais Pinheiros e Tietê, as avenidas 23 de Maio e Radial Leste e em vias de acesso a eles. As possibilidades técnicas são várias. Na versão inglesa, 197 câmeras espalhadas pelo perímetro da restrição leem placas para registrar quem deve pagar. Outra opção é recorrer à tecnologia de radiofrequência, na qual portais à beira das vias identificam dispositivos nos carros e registram a entrada e a saída.
Em nenhuma das grandes cidades que adotaram o pedágio há obstáculos como cancelas. A cobrança também pode ser ajustada conforme as necessidades. Karen Anderton, especialista no tema pela Universidade de Oxford, considera equivocada a forma escolhida por Londres, em que se desembolsam por dia as mesmas 10 libras (cerca de 32 reais) apenas por estar na área restrita, seja por poucos minutos ou muitas horas. "O pagamento por quilômetro, nos moldes do adotado pela cidade americana de Portland, no Oregon, é muito mais coerente."
É fundamental, porém, que a maior parte dessa arrecadação - ou toda ela - vá para o investimento em transporte público. É o que se faz em Londres. A vantagem dessa destinação é sustentar o projeto oferecendo alternativas a longo prazo. Na capital inglesa, que conta com uma rede de metrô de 402 km, ruas foram estreitadas para a ampliação de calçadas, em benefício de pedestres, e a redução dos engarrafamentos permanece até hoje. Mesmo com uma série de obras viárias que interromperam o fluxo no ano passado, os índices foram 8% menores que nos tempos pré-pedágio.
O pedágio urbano, como o rodízio, é um tema espinhoso e antipático para a maioria, até que seus resultados positivos apareçam. Mas precisa ser discutido, sem populismo, com seriedade e com coragem. Antes que a cidade pare de vez.
Como funciona por lá
- Implantação: fevereiro de 2003
- Abrangência: 21 km2 na região central, de segunda a sexta, das 7h às 18h
- Efeitos imediatos: redução de 30% nos congestionamentos, aumento de circulação de outros meios de transporte na área (23% para ônibus, 17% para táxis e 20% para bicicletas) e crescimento da velocidade média de 14,3 km/h para 17,3 km/h
- Quem é isento: motocicletas, bicicletas, táxis, veículos de emergência e carros usados por pessoas com deficiência física
Por que é importante discutir a ideia
As vantagens...
- Nas cidades onde foi implantado, o pedágio reduziu os engarrafamentos em até 45%
- A cobrança é coerente: pagam os que optam pelo carro, ganha quem escolhe os ônibus, que se tornam mais velozes
- Não requer grande estrutura. Em Londres, a instalação de 197 câmeras leitoras de placas, a mudança de sinalização e as obras viárias custaram 130 milhões de libras (415 milhões de reais), o equivalente ao faturamento líquido anual do sistema
... e as desvantagens
- Seria um custo a mais na rotina do cidadão
- "É uma limitação do direito de ir e vir", dizem os críticos
- Temos um transporte público insuficiente. Apenas 74,3 km de metrô e 15.000 ônibus, que na maior parte do tempo ficam lotados
Fonte: Revista Veja São Paulo, 20 de junho de 2012

Categoria: Geral


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