No início de julho, os vereadores de São Paulo aprovaram um novo plano diretor - um conjunto de regras para ordenar o desenvolvimento da cidade -, que, pelo menos no papel, promete ser um passo rumo a uma saída para tais problemas. "Esse tipo de planejamento não dá resultados numa só gestão e não vai resolver todas as questões da cidade de uma hora para a outra", diz Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. "O plano precisa ter continuidade."
A importância do planejamento vai além das questões acerca da mobilidade. Hoje, 3,9 bilhões de pessoas - mais da metade da população mundial - vivem em áreas urbanas, segundo as Nações Unidas. Outros 2,5 bilhões deverão se juntar a elas até 2050, principalmente nos países emergentes. No Brasil, 172 milhões de pessoas, ou 85% da população, já moram em cidades. Com tanta gente reunida, não há espaço para meio-termo - ou as cidades funcionam e tornam-se polos de produtividade e crescimento, ou transformam-se em aglomerações de desigualdade, poluição e criminalidade. "Cidades sem planejamento e que crescem de forma desordenada acabam economicamente estranguladas", diz o egípcio Hazem Galal, líder global da área de cidades da consultoria PwC. Solucionar esse estrangulamento é o principal papel de um plano diretor.
Como o próprio nome sugere, esse tipo de legislação estabelece as diretrizes para o crescimento. Um ponto positivo do novo plano paulistano é que ele segue padrões presentes no planejamento de metrópoles mais bem-arrumadas, como Nova York, Londres e Singapura. Entre os princípios incluídos estão dar mais espaço ao transporte público e incentivar a construção de moradias perto de linhas de ônibus e metrô. Além disso, pretende-se estimular a abertura de empresas em áreas que hoje são predominantemente residenciais e revitalizar áreas centrais degradadas, como forma de evitar que a população vá morar cada vez mais longe. O objetivo é criar uma cidade mais compacta ou adensada, como dizem os urbanistas em outras palavras, na qual mais pessoas morem em território menor e tenham facilidade de fazer compras e encontrar trabalho sem sair da vizinhança. A capital paulista não é um caso isolado em busca de renovação. O Rio de Janeiro está revitalizando a zona portuária e construindo linhas expressas de ônibus.
Em Palmas, no Tocantins, a prefeitura começa a adotar o imposto progressivo sobre terrenos e imóveis ociosos situados no centro. A ideia é estimular os donos a destinar o espaço a projetos de habitação. As cidades mais competitivas do mundo já estão fazendo isso há tempos. Em Nova York, o ex-prefeito Michael Bloomberg começou, na década passada, uma reforma para receber 1 milhão de novos moradores até 2030, recuperando áreas centrais e estimulando a dispersão de negócios - desde 2007, cresceu em 250.000 o número de nova-iorquinos que moram a até 10 minutos a pé do trabalho. Hong Kong é um exemplo de mobilidade urbana - 90% de seus 7,1 milhões de habitantes usam transporte público. "A maioria das cidades brasileiras ainda segue o caminho contrário", diz o economista José Alexandre Scheinkman. "Em vez de investir em transporte de massa e em revitalização de áreas ocupadas, direcionam recursos para a expansão de avenidas e a urbanização de zonas residenciais distantes do centro."
Além de redefinir prioridades, as cidades no Brasil precisam contar com melhoria da gestão pública. Por lei, aqui são obrigadas a ter plano diretor as cidades com mais de 20.000 habitantes ou pertencentes a regiões metropolitanas - um total de 1.718 municípios. Embora desse conjunto somente 170 cidades não tenham cumprido a obrigação de aprovar um plano, a maioria apenas cumpriu uma formalidade. É comum que as cidades copiem a legislação umas das outras, sem levar em conta suas necessidades.
É o caso de Glória do Goitá, na Zona da Mata pernambucana, onde os vereadores aprovaram em 2006 um plano diretor prevendo proteção ao coqueiral litorâneo. Ocorre que o município não tem praia. Obrigar as cidades a ter um plano diretor foi um passo correto. Agora é preciso levar a obrigação a sério.
Fonte: Revista Exame, 23 de julho de 2014