As multas de até R$ 191,53 a veículos que desrespeitam a preferência do pedestre foram intensificadas três meses depois de uma campanha que não conseguiu mudar a desobediência generalizada. Entre as infrações corriqueiras estão não parar onde há faixa de travessia sem semáforo e, na conversão, não dar a vez ao pedestre que atravessa a transversal. Para justificar a ampliação das multas ao restante da capital, Branco alegou já ter havido tempo suficiente para os motoristas tomarem conhecimento das regras - previstas no código de 1998.
Desde 2010, dois motoristas eram multados por dia por não dar vez ao pedestre na conversão e por não parar onde não há semáforo. A CET não divulgou ontem um balanço de punições. Durante meia hora na Líbero Badaró, a Folha contou quase uma irregularidade por minuto. No mesmo período, só três veículos foram multados pela CET.
A intensificação das multas não evitou atropelamentos. Da 0h às 19h, os bombeiros já tinham atendido 20 casos, inclusive no centro. Segundo a CET, em 2010 foram 7.007 atropelamentos (19 por dia), com 630 mortos.
Pedestre precisa estar em mapa mental
"Ele apareceu do nada. Eu juro que não vi." As duas orações são recorrentes quando o motorista tenta explicar como atingiu o pedestre, o motoboy ou o ciclista. Mais do que uma desculpa esfarrapada, a frase revela algumas verdades cognitivas. Embora não o reconheçamos, nossa capacidade de atenção é bastante limitada. Um experimento seminal de 1999 conduzido pelos psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons traduz com muito bom humor o tamanho do problema. Eles fizeram um vídeo no qual seis pessoas (três vestindo camisetas brancas, e três, pretas) trocam passes com duas bolas de basquete. Estudantes são instruídos a contar mentalmente os passes do pessoal de branco enquanto assistem ao vídeo. Um sujeito fantasiado de gorila entra em cena, encara a câmara, bate no peito e se retira. Ele aparece na tela por nove segundos. Você o notaria? A esmagadora maioria das pessoas responde com um sonoro "sim". O fato é que 50% das cobaias simplesmente não veem o gorila, porque estão ocupadas contando. Está em operação aqui o que os psicólogos chamam de "cegueira por inatenção". Trata-se de uma poderosa ilusão cognitiva com importante impacto social, que se materializa justamente na forma de acidentes. O problema não é tanto não ver o gorila, mas acreditar erroneamente que seremos sempre capazes de fazê-lo. Nós imaginamos que podemos enxergar tudo o que aparece à nossa frente, quando na verdade só temos consciência de uma pequena porção das coisas que estão em nosso campo visual. Em geral, vemos aquilo que o cérebro já espera encontrar.
É por superestimar nossa capacidade de atenção que nos colocamos em situações de perigo, como dirigir em velocidade superior à calculada pelos técnicos (isso mesmo, aquele número que nos parece ridiculamente pequeno que aparece nas placas) ou falando ao celular. A solução para o problema, além de obedecer às regras de trânsito, é colocar pedestres e ciclistas no mapa mental dos motoristas. Quanto menos estes forem um elemento-surpresa, maiores as chances de serem vistos pelos condutores.
Pedestre teme motorista em faixa sem farol
Os pedestres não confiam na parada dos motoristas e esperam na calçada um espaço para atravessar. "Tenho medo mesmo. O número de atropelamentos está aí para me dar razão", disse a esteticista Ana Ramos Amora, enquanto esperava para atravessar em uma faixa da avenida Angélica, em Higienópolis, na tarde de ontem. "Meu marido é de Brasília. Lá, sim, as pessoas chegam perto da faixa e os carros param. Aqui, acho que vai demorar", completou ela, que só atravessou quando não havia carro por perto. A reportagem presenciou esse comportamento em todas as faixas sem farol visitadas. "Motoristas são mal educados no país inteiro", afirma técnico
O técnico Luis Miura foi diretor de trânsito de Brasília, Boa Vista (RR) e Maringá (PR). Nas três cidades, foi o responsável por realizar uma campanha de respeito no trânsito, a fim de fazer valer a regra de que o pedestre tem preferência na faixa - o que exigiu muita "persistência" e "vontade política". "(Essas ações) são muito questionadas, como tudo o que pressiona o motorista neste país. O brasileiro deixou-se dominar totalmente pela máquina. Tudo é feito em função do automóvel." Ele, que hoje mora em Brasília, ficou cerca de dois anos em cada cidade. Combateu especialmente a falta de sinalização nas faixas e a alta velocidade dos automóveis - além, é claro, da falta de educação. "O motorista brasileiro é mal educado em qualquer lugar", diz. Para ele, campanhas só funcionam se resgatarem a convivência humanizada entre pedestre e motorista - e, claro, com multas. "O brasileiro tem essa cultura. No geral, só faz se punido."
Fonte: Folha de S. Paulo, 9 de agosto de 2011