A Folha flagrou a cena na noite do dia 23 e ouviu relatos de outras quatro vezes em que a área foi usada para o tráfego de veículos dos visitantes do museu.
A própria diretoria do Masp admite que isso é corriqueiro há "vários anos" e responsabiliza organizadores e patrocinadores de eventos pela contratação dos valets, mas diz concordar com o uso, porque é "a única saída".
Irregularidades
O promotor Washington Luis Lincoln de Assis diz que vai propor a instauração de inquérito para apurar as irregularidades na próxima reunião da Promotoria do Meio Ambiente, na primeira semana de dezembro.
"O fluxo de veículos não condiz com a função do prédio e sua qualidade de bem de alta relevância cultural e caracteriza gestão de bem público de modo temerário. Tal uso deveria passar pelo crivo dos órgãos de proteção, devido ao risco de danos ao bem tombado", diz ele.
Segundo o promotor, a prefeitura - que administra o espaço público do vão - e a direção do Masp podem responder por crimes de deterioração de bem protegido por lei. Os órgãos que o tombaram devem fiscalizar o local.
Os órgãos de proteção - Iphan (federal), Condephaat (estadual) e Conpresp (municipal) - informaram que vão agendar vistorias para constatar o uso como estacionamento e tráfego de veículos, que confirmam ser irregular.
"Vamos imediatamente solicitar informações ao Masp e deixar claro que o vão não é local para tráfego de veículos, um absurdo", diz Marcos Carrilho, arquiteto do Iphan.
Renato Anelli, professor de arquitetura da USP e conselheiro do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi (respectivamente a arquiteta que projetou e o decano do Masp), considera que o fluxo de carros sobre o vão pode trazer problemas à estrutura, mais pela vibração do que pelo peso dos veículos. "É totalmente inadequado transformar os espaços nobres da cidade em estacionamento de valet."
Presença de feirinha no local é contestada
A discussão sobre o uso irregular do vão do Masp reacendeu uma velha polêmica: a presença da feirinha de antiguidades ali, que ocorre todos os domingos, desde 1979.
A feira começou com 50 barracas e hoje tem 120. Atrai 5.000 pessoas, segundo os organizadores.
Quando inaugurada, teve a aprovação do decano do Masp, Pietro Maria Bardi, mas hoje sofre críticas da administração e do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. O museu reclama de mau cheiro, barulho e diz até que é uma "aberração".
O instituto defende a rediscussão do tamanho e frequência da feira, para permitir outras atividades.
Para o promotor Washington Assis, a feira é contrária à finalidade do museu. A Associação de Antiquários, responsável pela feira, contesta dizendo que é "uma atração cultural consolidada e conhecida no mundo todo" e que sempre se adapta para permitir outros eventos.
Os órgãos de proteção ao patrimônio e a prefeitura disseram que a feira não causa prejuízos ao prédio e que não receberam reclamações a respeito.
Em dois momentos, ela correu risco de ser retirada: em 1990 e em 2000, quando o prefeito Celso Pitta decretou a remoção para o espaço descoberto. Ela conseguiu se manter após acionar a Justiça.
Um decreto de 1980 (16.851), ainda vigente, concedeu o vão à feirinha.
Vão-livre é a única saída para estacionar no local, diz museu
A diretoria do Masp diz que o uso de valet no vão é "um dilema", por ser proibido estacionar e parar na faixa preferencial de ônibus da Paulista, o acesso ser ruim, haver só uma entrada e a região ter casos de violência que trazem riscos aos frequentadores.
E critica quem condena o uso como lugar de manobra e estacionamento: "Qual a solução que eles propõem?"
Diz ainda que isso não é prerrogativa do museu, mas dos patrocinadores e organizadores dos eventos, que devem obter as autorizações. "Mas a direção concorda."
O museu garante que peso e vibração dos carros não prejudicam a estrutura do imóvel e compara com o uso pela feirinha de antiguidades.
Segundo a diretoria do Masp, a própria Folha fez um evento no local com o serviço de valet, há dez anos. "No evento da Folha de 80 anos, ela contratou valet. Fez todo o esquemão que todo mundo faz e acho que é importante mostrar pro leitor que isso não é prerrogativa do Masp. É do patrocinador e do organizador do evento. A Folha foi um deles", diz Paulo Alves, assessor do museu.
A Subprefeitura da Sé disse que não consta "nenhuma reclamação ou denúncia de mau uso do espaço", mas que vai agendar uma vistoria.
Fonte: Folha de S. Paulo, 28 de novembro de 2011