Quem dirige já viu a cena. Sem manutenção adequada, calhambeques enguiçam copiosamente pelas avenidas, provocando todo tipo de transtorno, inclusive a quebra de vários outros "irmãos" de idade. As estatísticas da CET-Rio são espantosas. Na Linha Amarela, a principal ligação entre a Barra da Tijuca, a Zona Norte e a Ilha do Fundão, foram registradas 1.650 panes apenas em setembro - uma média de 55 por dia. No Túnel Rebouças, artéria que liga a Zona Sul ao Centro e à Zona Norte, ocorreram 516 casos. Quase um por hora.
Desde o início do ano, as autoridades de trânsito registraram 60.000 ocorrências que demandaram algum tipo de socorro - ou seja, provocaram a interrupção de pelo menos uma faixa de tráfego. Trata-se de um vasto leque de incidentes que abrange de colisões a atropelamentos, passando por pane causada por falta de combustível. Entre todos os indicadores, os enguiços são maioria absoluta: eles correspondem a 42.200 registros, ou 70% do total.
Para entender o tamanho da dor de cabeça provocada por essa situação, há um dado elucidativo. Pelos cálculos da CET-Rio, a obstrução de uma via importante por apenas quinze minutos resulta em pelo menos 3 km de lentidão.
Dado o perfil do mercado e da indústria automobilística brasileira, um carro hoje começa a mostrar os primeiros sinais de obsolescência a partir de quatro anos de uso. É quando passa a ser necessária a reposição de peças e componentes desgastados. Decorridos dez anos, a situação se agrava drasticamente, com visitas ao mecânico cada vez mais frequentes. "Com o passar do tempo, manter um carro velho impecável deixa de valer a pena do ponto de vista econômico, porque o investimento dificilmente será recuperado", diz Nilton Monteiro, diretor da Associação de Engenharia Automotiva (AEA). Nessa faixa, a revenda torna-se cada vez mais penosa, com a contínua desvalorização. Qual é a solução?
Para a maioria, simplesmente garantir o mínimo de condições para que o veículo continue rodando, mesmo que de forma precária. "O dono costuma deixar a manutenção de lado quando o carro envelhece. Aí a relação é direta: menos reparos implicam maior probabilidade de haver enguiços na rua", diz Ronaldo Balassiano, professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ.
Manter um veículo antigo na garagem só faz sentido para uma categoria bem específica de proprietários: a dos colecionadores. Apaixonados por automóveis, eles conservam suas máquinas impecáveis, do estofamento ao motor, passando pelos frisos do painel e maçanetas das portas. Não se importam com o valor de mercado ou com o que os outros pensam de seus carrões - ou banheiras, dependendo do ponto de vista. Mas sabem identificar pelo rugido do motor quando chega a hora de trocar uma peça ou fazer uma revisão.
Em maior ou menor grau, o elevado envelhecimento da frota carioca reproduz uma realidade comum a outras capitais brasileiras. Em São Paulo, os carros com mais de dez anos correspondem a 56% do total, situação apenas um pouco melhor que a nossa. Tanto lá como aqui, o controle dos automóveis em estado precário ou mesmo de risco é frouxo. A imensa maioria deles se encontra na clandestinidade e os proprietários se esquivam de obrigações como licenciamento anual ou vistoria obrigatória.
É uma realidade completamente diversa da de países como os Estados Unidos, onde há uma firme disposição de limpar as ruas. Há dois anos, o governo americano conduziu um ambicioso programa para tornar a frota mais segura, limpa e eficiente em termos de consumo de combustível. Batizada de Cash for Clunkers (algo como "dinheiro por sucata", em português), a iniciativa estimulou a troca de 700.000 automóveis ultrapassados por outros novos. Cada proprietário ganhava entre 3.500 e 4.500 dólares de bônus na compra de um modelo novo, compatível com os padrões de segurança e de emissão de poluentes mais rigorosos.
Com um poder de ação limitado, a prefeitura tem se esforçado para dar fluidez ao tráfego cada vez mais atravancado da cidade. A atuação dos 563 controladores da CET-Rio, por exemplo, foi intensificada. O número de câmeras de monitoramento deve ser ampliado de 219 para 575 até o fim de 2011. E o número de reboques, que há dois anos cresceu de dezessete para os atuais 43, também tende a aumentar. Mas há problemas que persistem e comprometem a eficiência do sistema. Empresas públicas e concessionárias como Comlurb, Cedae, CEG, Light e Orla Rio atravancam o fluxo com operações durante o dia.
Em razão desses e de outros problemas, se todos os calhambeques malconservados fossem retirados das ruas, é provável que os congestionamentos ainda continuassem. Mas, pelo bem do trânsito e da segurança da população, tal passo precisa ser dado.
Fonte: Revista Veja Rio, 2 de novembro de 2011