Efeito perverso é a conseqüência não desejada de uma ação com objetivos desejados.
Efeito perverso é o resultado efetivo dos problemas da cidade que decorrem de planejamentos incompletos e não da falta de planejamento.
A evidência mais recente está na ação dos "flanelinhas" no centro da cidade, cobrando por hora dos motoristas que estacionam em vias permitidas.
Logo surgem os "especialistas", ouvidos pela mídia, que divulga sua opinião de que o problema decorre da falta de uma política de estacionamentos. E são feitas as mesmas velhas colocações de que a rua é dos pedestres, que é um absurdo permitir o estacionamento na via pública etc.
A "política" de estacionamentos tem sido a de eliminar as vagas nas vias públicas, na suposição de que com essas limitações, além de melhorar a fluidez, se estimula a transferência das pessoas do carro particular para o transporte coletivo.
Ao não se conseguir transferir, mantém-se a demanda e os flanelinhas adonam-se da pequena oferta disponível.
Se os flanelinhas estão cobrando por hora há, efetivamente, um erro. Os locais deveriam ter o estacionamento rotativo (Zona Azul) e não o sem limites de horários. Ou proibido.
E por que não é proibido? Pela pressão dos comerciantes.
Voltemos a alguns conceitos básicos: ninguém vai a um local com o objetivo primário de estacionar. Vai para fazer compras, estudar, trabalhar, consultar o médico etc. A partir desse objetivo primário, indo de carro, vai buscar um local para estacionar.
Se não precisasse ou não desejasse fazer compras na 25 de Março ou na José Paulino, não precisava ir até lá e brigar por uma vaga.
A pessoa pode raciocinar: "Não vou ser achacado por um flanelinha: não vou fazer compras na 25 de março". Então, por que não vai de metrô, por que não usa um meio coletivo? "E como vou carregar os pacotes?" Se a compra for pequena é possível, mas para compras maiores não dá. Então pegue um táxi: "Fica mais caro que pagar ao flanelinha".
"Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come..."
Se for reduzida a oferta de vagas, o comércio reclama que há uma queda de movimento. E leva à degradação do Centro.
Por que ir ao Centro para essas compras? Por que não comprar nos bairros?
Porque nesses centros os produtos são mais baratos. É a visão do comprador. E, para ele, "pagar ao flanelinha" custa menos que nos estacionamentos privados.
Para os urbanistas que defendem a reabilitação do Centro, manter os centros de compra é fundamental. Alguns, mais elitistas ou saudosistas, não concordam.
Se esses centros atraem as pessoas, geram uma demanda para estacionamentos que precisa ser atendida por uma oferta adequada. Contra o que alguns transporteiros se opõem, dentro da visão da "preferência pelo transporte coletivo".
Em geral, são opiniões de quem nunca foi fazer compras na 25 de março ou na José Paulino, nem mesmo acompanhando a esposa. Que raciocinam em teoria ou com base apenas em estatísticas e, com isso, não percebem a possibilidade de ocorrência dos efeitos perversos.
A solução física está na construção de garagens subterrâneas, aumentando a oferta. Mas é preciso resolver adequadamente o conflito entre o econômico, o social e o urbanístico.
O custo de construção de uma garagem subterrânea no centro da cidade tem um custo elevado e com incertezas. A principal incerteza está nas interferências, cuja remoção pode inviabilizar a garagem como empreendimento econômico.
Se o Poder Público não assumir o risco dos ônus das interferências, dificilmente conseguirá levar a bom termo a implantação de uma garagem subterrânea por concessão.
A outra grande dificuldade está na política tarifária, que é definida pelo Poder Público, sem variações em função do mercado. O movimento das compras tem picos e vales. Os preços precisam estar ajustados a essas variações, o que não é aceito por muitos, incluindo o Ministério Público. Supostamente na defesa dos interesses difusos. Ou melhor, dos usuários dos estacionamentos.
Diversamente dos estacionamentos privados, que são empreendimentos tipicamente privados, as garagens subterrâneas são caracterizados como concessão de serviço público, sujeito a tarifas e não a preços. Para superar esse impasse deveriam ser caracterizados como concessão de uso de bens públicos, com as cobranças baseadas em preços e não em tarifas.
A extorsão dos flanelinhas é um efeito perverso da ilusão de que a proibição de estacionamentos leva as pessoas a deixarem o carro em casa e usar o transporte coletivo.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.