Em vez de exercer como deveria sua função fiscalizadora, a Prefeitura mais uma vez prefere dar ar oficial ao que é ilegal. A medida vai beneficiar o Fisco municipal - porque condiciona o pagamento do ISS à emissão dos boletos de controle de estacionamento -, mas não a população. Ao contrário, deixará para os motoristas a responsabilidade de fiscalizar o uso irregular do espaço público.
Os talões de controle do serviço registrarão o nome da empresa, o endereço, o CNPJ e terão campos em branco nos quais deverão ser colocados os dados do veículo. Carros de clientes de bares e restaurantes confiados aos manobristas geralmente acabam estacionados nas ruas, o que é ilegal. Com essa nova tentativa canhestra de regularização dos valets, a Prefeitura espera que donos de carros usem as informações constantes dos boletos e denunciem as empresas que privatizam as ruas. A fiscalização do uso ilegal do espaço público, do não pagamento de impostos e de outras práticas adotadas por essas empresas fantasmas são atribuições da Prefeitura, não da população.
Estima-se que 90% dos serviços de valet de São Paulo sejam irregulares. O universo considerado para esse cálculo é de 600 empresas, o que parece pouco para uma cidade onde existem mais de 60 mil bares e restaurantes. A regularização efetiva exigiria fiscalização ampla, rigorosa e permanente. Hoje, essas empresas contratam funcionários temporários, sem respeito às leis trabalhistas. Muitas vezes, nem a carteira de habilitação é exigida dos manobristas.
Informações do Sindicato dos Empregados em Estacionamentos e Garagens confirmam que mais de 80% da categoria atua na clandestinidade, sem contrato, salário fixo e qualquer tipo de treinamento. A entidade já pediu ajuda ao Ministério do Trabalho, mas ele pouco pode fazer. Ao buscar os contratantes, encontra apenas empresas de fachada, sem sede nem CNPJ.
Durante os últimos anos, fracassaram todas as tentativas da Prefeitura de combater os valets e as empresas irregulares se multiplicaram. Em frente a bares e restaurantes, placas anunciando o serviço tomam as calçadas junto de guarda-sóis e, nos mais sofisticados, bancos de madeira são colocados no passeio público para os clientes esperarem pelos manobristas na saída. Em bairros como Jardins, Itaim, Vila Olímpia, Vila Nova Conceição e Vila Madalena, o preço médio cobrado é de R$ 25,00. Quem não quiser pagar não estaciona. Os valets lotearam as ruas, tomaram todas as vagas, impedindo, assim, que motoristas possam, eles mesmos, estacionar os seus veículos.
O paulistano paga o preço de viver numa cidade onde os governantes não raro adotam meias-medidas como essa, de olho apenas na arrecadação. Tivesse São Paulo seguido os planos de construção de garagens subterrâneas, traçados em meados da década de 80 para suprir a carência de vagas de estacionamento, e o de reforma do sistema de transporte público, de 2003, parte significativa dos problemas dos motoristas estaria resolvida.
Sem transporte público de boa qualidade, garagens para estacionar e combate eficaz às empresas de estacionamento irregulares, o cidadão se torna refém de uma máfia que se tornou mais forte do que o próprio poder público, como já aconteceu também nos casos dos ambulantes e dos flanelinhas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 19 de março de 2012