Estou diante dessa indagação, que me soa como o enigma da esfinge. Sinto que posso ser devorado se não souber a resposta correta (aliás, quem lembra qual era o enigma?).
Mobilidade urbana é a movimentação das pessoas dentro da cidade.
As pessoas podem querer (ou precisar) se movimentar para curtas, médias ou longas distâncias. Para atender a uma necessidade da vida urbana, como trabalhar, estudar, fazer compras, se alimentar, desfrutar de lazer, namorar etc.
E poderão se movimentar a pé, mediante veículos não motorizados ou motorizados, individuais ou coletivos.
Quando forem se movimentar com um veículo próprio, precisarão de, pelo menos, dois lugares para o estacionamento do seu veículo: um em casa e outro no destino. Se esse veículo for uma bicicleta, a área de estacionamento é pequena, mas precisará ter condições de segurança. Se o veículo for um automóvel, precisará de uma área maior, da ordem de 10 metros, apenas para o veículo, e de até 20 metros para manobras. E sempre em dobro. Um para o local de origem e outro de destino.
Há uma presunção de que não havendo vagas para estacionamento as pessoas deixarão de comprar ou usar o automóvel. O que melhoraria a mobilidade urbana, a movimentação no trânsito.
Essa presunção se baseia numa equação onde uma variável é mantida fixa e a outra variada. No caso, supõe-se que as pessoas mantêm a viagem, mas mudam de modo de transporte. Substituiriam o automóvel pelo transporte coletivo.
Mas pode ocorrer o oposto, nessa mesma equação: as pessoas mantêm o automóvel como modo de transporte e mudam a viagem. Ou seja, mudam o local de origem ou de destino, onde encontrem facilidade de estacionamento.
A disponibilidade ou carência de estacionamentos pode não aumentar ou diminuir o uso do automóvel, mas provocar uma mudança de rotas e, conseqüentemente, de vias ou locais de congestionamentos.
Os congestionamentos que se concentravam em determinadas vias podem extravasar, transferindo-se para outras localidades, sem eliminarem o anterior. A mobilidade urbana passa a ficar comprometida em todas as áreas.
O estacionamento nas vias públicas concorre com o trânsito, com o fluxo de veículos. Proibir o estacionamento na via pública, sem dúvida, melhora a movimentação do trânsito. Mas pode gerar o esvaziamento residencial ou comercial da área sem possibilidade de estacionamento na via pública.
A alternativa é a internalização do estacionamento, tirando os veículos parados na via pública para dentro dos edifícios ou terrenos.
Com o estacionamento internalizado, as vias públicas ficam mais livres, o trânsito melhora, sem comprometer a demanda residencial ou comercial da área.
Resposta simples e objetiva: a contribuição dos estacionamentos para a mobilidade urbana está na sua internalização. Ofertar vagas dentro das áreas privadas suficientes para atender a demanda, permitindo que as pessoas continuem utilizando o seu veículo particular e liberando a via pública.
Haveria maior fluidez no trânsito. Mas o impacto urbano é mais amplo e discutível.
O estacionamento interno é remunerado e mais caro que estacionar na via pública. Que seria gratuito nos locais permitidos e com valores menores que nos internos, no caso dos estacionamentos rotativos (Zona Azul).
Isso poderia levar à elitização do acesso às áreas com estacionamento inteiramente interno, sem possibilidade de estacionamento na via pública. Poderia ser vantajoso para determinadas áreas com escritórios, comércio e gastronomia de alta renda. Como, por exemplo, a área da Rua Oscar Freire, em São Paulo. Mas prejudicaria o comércio mais popular, que perderia clientela. Essa perda poderia levar à degradação econômica da área e sua conseqüente degradação física.
A conjugação necessária, ou conveniente, seria a proibição do estacionamento na via pública, com a sua internalização em áreas bem servidas pelo transporte coletivo.
Dessa forma se daria opção aos que querem continuar tendo acesso com o seu veículo particular, pagando valores mais elevados de estacionamentos internos. Dar-se-ia opção de transporte coletivo para aqueles que não estão dispostos a pagar os valores do estacionamento.
Na prática funcionaria como um pedágio urbano.
Isso vale para o centro da cidade de São Paulo, como para subpólos com alta concentração de atividades, e bem servidas por estações do metrô.
O encarecimento dos estacionamentos na área central, sem opções mais baratas (estacionamento na via pública ou estacionamentos internos informais), levaria os que não estão dispostos a arcar com os custos mais elevados a três grandes opções:
mudar-se para o Centro, para ter a opção de ir ao trabalho a pé;
ir ao Centro de táxi, uma vez que o custo marginal seria reduzido ou até negativo;
utilizar-se do transporte coletivo.
O importante desse modelo é que manter-se-ia a opção aos decisores de continuarem no Centro, com acesso com o seu carro. Evitaria que eles se mudassem para outras áreas onde tivessem disponibilidade de estacionamento.
Esse modelo poderia levar a uma outra importante mudança: os motoristas iriam até uma área próxima ao Centro, onde o valor de estacionamento seria menor, e daí se dirigiriam ao trabalho a pé, de táxi ou transporte coletivo.
Uma primeira indagação que cabe, no caso, é onde seria essa área de contorno onde ficariam os estacionamentos mais baratos, onde o motorista deixaria o seu veículo e tomaria um veículo coletivo? E qual seria o diferencial de valor?
No caso de avulsos, o preço da primeira hora deveria oscilar entre R$ 12,00 e R$ 15,00. Considerando um custo do transporte coletivo de R$ 5,00, o preço máximo do estacionamento de transferência deveria ser de R$ 7,00. Tomando por base o mercado atual, esse deveria estar entre R$ 5,00 e R$ 6,00.
Uma tarifa promocional seria de R$ 12,00 até 4 horas, com um bilhete de transporte coletivo de ida e volta.
Num primeiro momento, essa área deveria estar fora da rótula, mas ainda dentro da contra-rótula, uma vez que nessa área há um grande volume de estacionamentos com valores mais baixos.
Os estacionamentos devem ser considerados como nós de uma rede de movimentação urbana, onde o trânsito seja feito por um transporte coletivo de qualidade.
Na movimentação das cargas há uma crescente utilização da visão logística. E, dentro dela, a gestão vai além do transporte, para ter nos armazéns, nos centros de distribuição um elemento fundamental para a racionalidade de movimentação e redução de custos.
Segundo essa perspectiva, os estacionamentos devem ser vistos como centros de concentração/distribuição. A ligação entre eles seria feita por transporte coletivo ou por carona.
Duas pessoas vão com os seus carros para um estacionamento. Uma delas deixa o carro e vai junto com outra. No dia seguinte, pode ser feito o inverso. Uma delas pode ir de táxi para o estacionamento.
Essa perspectiva de logística das pessoas pode reduzir o número de veículos em movimento, sem prejuízo do número de viagens das pessoas.
Apelar para a consciência não é suficiente. É preciso gerar soluções operacionais.
*Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.