Ontem tivemos que ir a uma consulta médica no Itaim, a partir do Jardim Guedala - Morumbi. Fomos de carro porque sabíamos que nas proximidades havia um estacionamento pago. Na realidade há vários, como constatamos ao chegar. Há mesmo zona azul, mas todos tomados.
Por que não pensamos em usar o transporte coletivo? Porque não tem um metrô até lá. Até tem uma linha de ônibus que passa perto. Mas nem cogitamos isso.
Se imaginássemos que não iríamos conseguir um estacionamento, deixaríamos de ir de carro? Sim. A opção seria o táxi. Que ainda é um transporte individual, ainda que público.
E qual seria a opção seguinte? Mudar de médico para escolher um que atenda em local mais acessível. No caso, com estacionamento. E o que fará o médico, com a nossa escolha? Se perceber a perda de mais clientes, mudará para um local mais acessível.
Para uma parte da população que usa o carro, mudar o local de destino é preferível a mudar o modo de locomoção, o modal de transporte.
Já para o meu filho, que é jovem, ainda estuda, depende de mesada e não está disposto a gastá-lo com estacionamento caro: qual é o problema?
Não tem a opção de metrô, mas tem de ônibus. Ele é um usuário eventual. Já conhece as linhas que passam perto de casa e não são poucas, porque estamos ao lado do corredor da Avenida Francisco Morato. Mas aquele ônibus que vai para o Terminal Bandeira é demorado e quando chega passa cheio. É preciso arriscar e sair mais cedo. Vai reclamar e dizer que não vai de transporte coletivo porque a qualidade dele é ruim. Prefere sair com o carro e ir procurar um estacionamento grátis na rua, em local próximo, ainda que mais distante que o ponto de ônibus. Pode até aceitar a alternativa de Zona Azul. Porém, a essa altura, já optou por sair de carro, contribuir para os congestionamentos e, se houvesse transporte coletivo de qualidade, optaria por esse?
Mas o que é qualidade do transporte coletivo? O que importa para efeito do trânsito, dos congestionamentos é a qualidade percebida. Por ser uma questão humana, depende da condição de quem percebe. Principalmente as condições sócio-econômicas. E qualidade percebida tem graduações sucessivas em função de condições objetivas. A primeira condição de qualidade é que exista o transporte para atender ao seu desejo de locomoção de uma origem a um destino. Qualidade percebida se baseia ainda em expectativas, que assumem perspectivas prováveis, baseadas em conhecimento, em pequenas experiências, ou sonhos. Qualidade seria ter o metrô perto da sua origem e que o levasse até perto do destino, se possível na porta. Quando não tem, engrossa a fileira dos que dizem que não tem metrô porque a linha é muito pequena, diversa de outras grandes cidades com uma grande extensão e que o importante é estender as linhas. Sim, isso é importante, mas essa questão numérica de extensão é uma criação mercadológica. Metrô mesmo, no Brasil, só existe em São Paulo e no Rio de Janeiro. Outras capitais anunciam que têm metrô, mas as suas condições operacionais não são muito diversas das linhas da CPTM. Se juntarmos as duas linhas, São Paulo tem quase 300 km de linhas metroviárias. É muito, mas insuficiente. E os que não têm a linha que os sirvam acharão que falta qualidade.
A primeira condição de qualidade percebida é a existência do transporte coletivo que atenda à sua necessidade de locomoção. Existindo esse, a segunda condição é o acesso ao ponto onde pode tomar o veículo e o local onde ele descerá, em relação ao seu destino desejado. O ponto de ônibus pode estar próximo ou distante. Pode ter ou não um abrigo, mas tem uma qualidade incomparável em relação ao metrô: não precisa descer e subir intermináveis escadas, ainda que rolantes, ou andar muito de um local a outro dentro da estação, mesmo que abrigado. A pior qualidade do metrô é o sobe-desce e o metrô de São Paulo está - em geral - sob grande profundidade. No entanto, chegando ao ponto de embarque, a qualidade percebida é medida pelo tempo de passagem do veículo que lhe serve. No caso do metrô esse tempo é curto, dos trens metropolitanos um pouco mais e do ônibus, depende da sorte. Mas a média é alta. Uma vez no veículo, a qualidade está nas acomodações, agravada ou aliviada pelo tempo de viagem. A má qualidade percebida está na lotação e na duração da viagem. Depende da hora. O metrô de São Paulo anda lotado sempre. Nos horários de pico anda superlotado. A qualidade, em geral, é ruim nesta percepção. O tempo de viagem de metrô é relativamente baixo, com uma percepção é veloz, para em poucos pontos e não enfrenta paradas por congestionamentos visíveis. Já no ônibus a percepção é outra. O tempo da viagem é longo, com a percepção de baixa velocidade e, nos horários de pico, com filas intermináveis de ônibus, mesmo nos corredores, concorrendo - cada vez mais - com os táxis.
A esta altura, quem pode já optou pelo carro. Só restaram para o transporte coletivo quem não tem condições de arcar com os custos econômicos da movimentação por carro, incluindo o custo do estacionamento, o que indica que não é a existência de estacionamento que incentiva o transporte individual, porém, o estacionamento gratuito. O pago, ao contrário, desestimula o uso.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
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