Até dois anos atrás, parar o carro em um estacionamento na região da Avenida Paulista não era tarefa simples. Além do preço elevado - mais de 50 reais a diária -, dependendo do horário e do ponto, tornava-se quase impossível conseguir uma vaga. De lá para cá, esse cenário mudou bastante. Por falta de procura, nos últimos meses pelo menos três negócios do tipo encerraram as atividades em um raio de1 quilômetroentre a Rua Pamplona e a Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Juntos, eles dispunham de cerca de 500 espaços para veículos. Em seus lugares há empreendimentos imobiliários em construção. "O faturamento daqui costumava ser de 7.000 reais por dia. Mas hoje comemoro quando entram 2.000 reais”, afirma o gerente de uma rede de estacionamentos da região, que pede para não ser identificado. "Em 2015, eu tinha dezoito funcionários; hoje só restam dois. E, das onze unidades da empresa, só sobreviveram três, não sei até quando", completa ele.
O fenômeno também é registrado no entorno da Avenida Luís Carlos Berrini, no Brooklin. Repleta de novos empreendimentos comerciais e obras viárias, como o prolongamento da Avenida Chucri Zaidan e a construção de uma ponte sobre o Rio Pinheiros, a área tem vários "esqueletos" que um dia foram garagens. Por ali, em um perímetro de seis quarteirões há pelo menos seis terrenos vazios que, juntos, abrigavam mais de 400 vagas.
A crise do setor está longe de se restringir a esses dois locais. Em 2010, havia na capital 9.000 estacionamentos privados, totalizando cerca de 1 milhão de vagas, segundo dados fornecidos à época pelo Sindicato das Empresas de Garagens e Estacionamentos do Estado de São Paulo (Sindepark). Hoje, de acordo com a mesma entidade, são 5.700 unidades, somando 500.000 lugares. Trata-se de um corte de metade das vagas em menos de uma década. “Estamos atravessando um momento complicado, com fuga de clientes”, diz Sergio Morad, dono da rede Multipark e presidente da Abrapark (Associação Brasileira de Estacionamentos).
Para atraírem novamente os fregueses e tentarem sobreviver, os empresários do ramo tratam de oferecer tarifas mais sedutoras. Conforme estimativa do Sindepark, o preço médio das estadias caiu 21% na capital no último ano. Há locais com quedas ainda mais agressivas. Na região da Avenida Paulista, por exemplo, os negócios sobreviventes reduziram seus preços em até 40%. Em um estacionamento na Rua da Consolação, a mensalidade baixou de 300 para 250 reais no início deste ano. "O preço mais em conta é um alívio", comemora o funcionário público Antônio Cunha de Mello, que para o carro ali todo dia. Em outros pontos são oferecidos descontos na lavagem de veículos; em um estabelecimento na Rua Maria Antônia, no centro, as promoções temporárias foram incorporadas ao dia a dia. "Até o ano passado, a primeira hora custava 15 reais. Agora cobro o mesmo valor por seis horas", afirma Fábio Lira, dono do local.
Essas estratégias não foram suficientes para impedir uma leva de demissões no setor. Entre 2015 e 2016, cerca de 7.500 manobristas foram dispensados de seus postos, uma queda de 15% na força de trabalho. "Toda semana um colega meu fica desempregado, nunca vi nada parecido em vinte anos de profissão", diz Marcos Roberto Alves, gerente de um estacionamento na Rua da Paz, na Chácara Santo Antônio, na Zona Sul. O quadro pode ser ainda pior, pois essas estatísticas consideram apenas os empregados com carteira assinada. "Os funcionários sem registro são a maioria no meio", explica o presidente do sindicato que representa a categoria, Francisco Antônio da Silva.
Além da situação econômica, que refreou negócios em geral no país, alguns fatores provocaram a recente crise nos estacionamentos particulares. Um deles é o fato de que o setor privado ganhou nos últimos tempos uma concorrência mais forte da Zona Azul, o serviço público disponibilizado pela prefeitura em vagas de rua, por 5 reais a hora. A quantidade de vias com o sistema de paradas rotativas cresceu de 35.000 para 40.000 desde 2010. Outro é a mudança nos hábitos de mobilidade dos motoristas. Nos últimos anos, muitos deles passaram a deixar o carro em casa, optando por transporte público, táxi, bicicleta ou aplicativos como Uber e 99. Esse movimento levou a uma situação que parecia improvável até pouco tempo atrás. Segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), a participação dos automóveis na composição do trânsito da capital caiu pela primeira vez em cinco anos, de 80% para 78%. Atualmente, a frota paulistana de carros gira em torno de 6 milhões de unidades, segundo o Detran. "As pessoas perceberam que existem alternativas melhores e mais baratas", diz o superintendente institucional da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo.
É o caso do arquiteto Marcelo Rebelo, que em 2015 montou um escritório particular próximo à Universidade Presbiteriana Mackenzie, no bairro de Higienópolis. Na época, ao calcular na ponta do lápis quanto gastaria com uma vaga mensal em um estacionamento da região, ele decidiu mudar o meio de transporte. Assim, sacou 4.300 reais que estavam guardados em sua conta bancária e comprou duas bicicletas - uma dobrável e a outra híbrida - , com as quais sai diariamente de sua casa, na Vila Mariana. Hoje comemora a economia de pelo menos 250 reais por mês, que seriam gastos com a garagem perto do local de trabalho. "Além de chegar mais rápido, consegui economizar cerca de 6.000 reais, que deixei de desembolsar com estacionamento nesses dois anos", comemora ele, que mantém seu Volkswagen Fox em casa para eventualidades. "Mesmo assim, quando não posso ir de bicicleta, dou preferência a Uber ou a metrô. O carro é a minha última alternativa", explica.
Fonte: Revista Veja São Paulo - 10/05/2017