Por Jorge Hori*
O Senado Federal começará a discutir o projeto de lei, já aprovado pela Câmara Federal, sobre a dita reforma trabalhista. O Governo, com apoio e pressão da classe empresarial, quer uma aprovação rápida e sem alterações, para que não precise voltar à Câmara dos Deputados. E quer sancionar com o mínimo de vetos, restringindo-se aqueles que a sua assessoria jurídica considerar inconstitucionais. A maior pendência não está no fim da contribuição sindical, mas na redução de poderes da Justiça do Trabalho.
Os representantes da Justiça Trabalhista, que são os principais perdedores da reforma, ainda tentarão reverter ou eliminar muitas das novas regras já aprovadas pela Câmara. Seja por pressão junto ao Senado, seja por ameaças e efetivação de judicialização junto ao Supremo Tribunal Federal.
A "reforma trabalhista" é, na realidade, uma reforma das relações empregatícias, afetando os trabalhadores que estão vinculados a relações com empregadores. Não alcança todo um conjunto de trabalhadores por conta própria, sejam formais ou informais.
Estabelecida essa limitação do seu campo de incidência, o que essa reforma não muda e o que muda, deixando de lado as pós-verdades que têm contaminado a sua discussão?
O que não muda são os direitos básicos dos empregados que estão inseridos na Constituição Federal. Nem poderiam, porque essa reforma está sendo feita por lei e não por emenda constitucional. Portanto não há perda de direitos dos trabalhadores, ou, mais especificamente, dos empregados.
O que a lei muda é a aplicação dos direitos, que podem ser flexibilizados.
O direito ao salário mínimo, décimo terceiro, licença maternidade e paternidade seguem assegurados. O direito às férias anuais continua assegurado, mas elas podem ser fatiadas, de acordo com as convenções coletivas. O limite de 44 horas normais por semana continua vigorando, mas o seu exercício pode ser flexibilizado, com a adoção do regime de turnos (o que já existe na prática, mas sob insegurança jurídica), ou o trabalho intermitente. O horário de almoço pode ser reduzido, eliminando a obrigatoriedade das duas horas. Não há direito a menos.
Os estacionamentos pagos, em geral, funcionam a partir das 7 h, até 21 h, isto é, 14 horas por dia, durante cinco dias, portanto 70 horas semanais, 26 horas acima do limite constitucional. A redução do horário de almoço de duas horas para, por exemplo, meia hora, poderia não ser vantajosa para a empresa. Fazendo rodízio do almoço dos empregados, poderia chegar à jornada máxima de 12 horas, com duas horas extras, prevista no projeto de lei, cobrindo as 14 horas por dia em que o estacionamento ficaria aberto. Uma extensão usual do horário implicaria a adoção do regime de turnos ou mais turmas. A empresa poderá ter turmas com jornadas de trabalho diferentes, usando a prerrogativa do trabalho parcial, de até seis horas diárias, durante cinco dias na semana.
No horário de almoço, mesmo que o empregado faça as refeições mais rapidamente, ele tem que deixar o local de trabalho. Caso contrário será considerado à disposição do empregador. A nova lei permite a permanência.
A nova lei prevê a figura do trabalho intermitente, o que poderia atender os horários de pico, com reforço de equipes. Ou ainda quando há programação de eventos. Como a convocação precisa ser prévia, não é aplicável para emergências.
Para as empresas é bom. Para os trabalhadores nem tanto. Trabalhariam menos tempo, mas também com menor remuneração. Preferem ficar todas as 44 horas à disposição do empregador e garantir uma remuneração maior. Mesmo que fiquem parte da jornada de trabalho ociosos. A maior adoção do trabalho parcial, ampliado no projeto de lei, para 30 horas pode gerar mais empregos, mas com jornadas e remuneração menores.
Este desajuste entre as variações de movimento e necessidade de trabalho leva as empresas a optarem pela substituição do caixa por uma máquina automática e preferir o autosserviço (self-parking), com dispensa dos manobristas.
Supõe-se que com a flexibilização as empresas contenham o processo de automatização, mantendo as pessoas operando. A perspectiva não é de mais empregos, mas de contenção da diminuição dos empregos.
Seria um bem menor para os trabalhadores, mas ainda um bem.
O projeto regula ainda o trabalho à distância (home office), que só se aplicaria - no caso dos estacionamentos - aos funcionários administrativos.
As mudanças mais importantes da reforma trabalhista não estão na relação direta entre os empregados e empregadores. Essas são até melhoradas e fortalecidas.
As perdas maiores estão no poder da Justiça do Trabalho, retirando dela atribuições e competências que têm sustentado a sua atuação. Em consequência reduz o campo de atividades dos advogados trabalhistas.
Por isso eles são os mais resistentes e oponentes da reforma trabalhista e cooptam os trabalhadores e sindicatos para o seu movimento.
Os trabalhadores são usados como "massa de manobra" ou "inocentes úteis" para reforçar a oposição e conquistar o apoio da sociedade.
O que a Justiça do Trabalho e seus satélites perdem?
O principal elemento do projeto de lei, já aprovado na Câmara dos Deputados, é flexibilizar a aplicação das regras nas relações empregatícias e eliminar a intervenção da Justiça do Trabalho, na interpretação das práticas. O que for acordado em convenção coletiva vale mais do que o disposto em lei, mas não estará acima da Constituição Federal. O julgamento de constitucionalidade não cabe à Justiça do Trabalho, mas ao Supremo Tribunal Federal. E, se esse estabelecer uma interpretação da Constituição, com repercussão geral, a JT não pode interpretar em sentido contrário.
Para os empregados, a nova lei retira alguns benefícios, como a contagem de horas supostamente à disposição do empregador, assim como a garantia de remuneração pela disponibilidade. Estará sujeito a flexibilidade de horários e jornadas de trabalho, ainda que decorrente de acordo coletivo.
Reduz ainda a possibilidade de recorrer à Justiça do Trabalho, para reivindicar eventuais direitos, mesmo depois de dada quitação plena dos seus créditos, com homologação do sindicato ao qual está filiado.
Não perde a possibilidade, mas estará - com a nova lei - sujeito a pagar custas e honorários do advogado do empregador, caso perca a ação.
Essas restrições, se não acabam, irão reduzir substancialmente a "indústria das reclamações" patrocinada pelos "advogados de porta de fábrica" para obter acordos, de baixo risco.
Esses procedimentos acabavam prejudicando parte dos trabalhadores, uma vez que os empregadores preferiam demitir sem pagar os "direitos", ficando no aguardo da reclamação judicial, para então chegar a um acordo. Algumas vezes pagando menos que os créditos formalmente devidos. E o trabalhador, além de demorar a receber, recebia menos do empregador e ainda tinha de pagar uma percentagem, não desprezível, ao advogado.
Para os empregadores a nova lei é favorável num ponto principal: segurança econômica em relação ao custo efetivo do empregado. Suportado pela segurança jurídica.
Por outro lado, as penalizações aos empregadores pelo não cumprimento legal foram ampliadas.
Para os empregadores que querem acordar devidamente as condições de trabalho e remuneração, mediante convenções coletivas, e cumpri-las estritamente, a nova lei dará maior segurança. E a expectativa é que com essa segurança os empregadores formalizem mais, assim como empreguem mais.
Porém, para aqueles que persistirem em práticas informais, que hoje seriam justificáveis diante da insegurança jurídica, os riscos serão maiores.
Os acordos coletivos tenderão a ser mais favoráveis, pela segurança. Os acordos individuais tenderão a ser piores, ficando na dependência de decisão dos juízes trabalhistas.
A intervenção da Justiça do Trabalho se baseia na suposição de que existe um desbalanceamento de poderes de negociação entre empregadores e empregados. E que os trabalhadores são hipossuficientes.
Duas mudanças desconsideram essa condição: não será mais necessária a homologação das demissões pelos sindicatos. E o empregador poderá negociar as condições de trabalho direta e individualmente com empregados com instrução de nível superior e salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS (R$ 5.531,31) prevalecendo sobre o acordo coletivo.
A reforma trabalhista, assim, busca ajustar as relações empregador-empregado às novas condições de mercado. Deixa de ver apenas a relação entre a grande empresa e os operários, condição sob a qual foi estabelecida e tem sido alterada a legislação, passando a considerar as novas tecnologias e todo um mercado de empresas de menor porte.
A maior parte das empresas de estacionamento pago é de empresas de menor porte. Essas têm buscado soluções alternativas em função da rigidez da legislação empregatícia e da atuação da Justiça do Trabalho.
Com maior flexibilização prevista na reforma é provável que essas empresas tendam a contratar mais empregados formais. O que corresponde à expectativa do Governo com a reforma.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
NOTA:
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