Começam a efetivar-se, já não sem tempo, algumas providências na cidade de São Paulo para tentar reduzir o dramático problema de congestionamentos no trânsito e perda de horas úteis pela população. E começam pelo que já existia há 60 anos e aos poucos foi sendo abandonado: restrições à circulação de caminhões de carga em certos horários e perímetros.
Queixam-se os proprietários de que haverá um encarecimento médio de 13% no custo das cargas. É possível que assim seja. Mas não há alternativas: ou pagam os usuários dos produtos transportados, ou paga toda a sociedade (inclusive as pessoas que não os consomem), ou nada se faz e a questão se agrava.
As informações na área são sempre alarmantes. Segundo a Associação Nacional de Transporte Público, o sistema viário, somado ao espaço para estacionamentos e garagens, já ocupa mais de 50% da área da cidade - o veículo torna-se mais importante que o ser humano, prioritário (embora automóveis cheguem a consumir 90% da energia que usam para transportar seu próprio peso, não pessoas). Os congestionamentos agora começam dentro da garagem dos edifícios, dos shopping centers, dos conglomerados de escritórios. Ainda assim, quem tem automóvel não o abandona: sua velocidade média, de 27 km por hora de manhã e 22 à tarde, é o dobro da velocidade dos ônibus (12 km/hora, de manhã ou à tarde).
No metrô, chega-se ao sufoco de 8,6 passageiros por metro quadrado nos horários de pico, quando recebe 1 milhão de pessoas (3,4 milhões ao longo de todo o dia) - o dobro do que se considera aceitável, pior do que em Tóquio.
Em 15 anos, a frota de veículos na capital paulista dobrou e praticamente anulou as conquistas da instituição do rodízio de veículos. Mas o número de agentes de trânsito encarregados de disciplinar a movimentação caiu, no mesmo período, de 2.500 para 1.800. De acordo com as mesmas pesquisas, entretanto, os paulistanos rejeitam a solução do pedágio urbano, como a que foi adotada em Londres, Estocolmo, Genebra e outros lugares.
Os números impressionantes não são um privilégio paulistano. O Rio de Janeiro também está restringindo os horários de circulação de caminhões de carga - embora a Justiça tenha suspendido a vigência do respectivo decreto municipal. Curitiba já chegou a 1 milhão de veículos e criou estacionamentos obrigatoriamente pagos e por tempo limitado na área central - tal como Belo Horizonte -, além de dar prioridade absoluta a ônibus nos semáforos dos corredores.
Na verdade, o pouco que se avança nessa área em toda parte continua tentando deixar de lado uma discussão, que é a da viabilidade ou não do transporte individual nos termos atuais. Há quem pense em estímulos indiretos, como fez a cidade de New Jersey (EUA), que criou faixas exclusivas de trânsito para veículos que transportem pelo menos três passageiros e ainda lhes concede bônus de US$ 100 para financiar a gasolina. Dubai constrói uma cidade sem veículos. Em contrapartida, os candidatos Hillary Clinton e John McCain, nos EUA, prometem anular a taxação sobre combustíveis poluentes - e facilitar ainda mais a utilização de veículos.
Ainda uma vez mais é preciso repetir: só com políticas que coloquem no centro de tudo o enfrentamento das questões do clima e da sustentabilidade dos padrões de produção e consumo globais (hoje inviáveis, acima da capacidade de suporte do planeta) será possível, em todos os lugares, chegar a alternativas que terão de ser aprovadas e praticadas pela sociedade. Sejam quais forem.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16 de maio de 2008