Mas eles, os condutores, que papel desempenham no que é, provavelmente, o grande problema da metrópole? Levantamento feito pelo Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Abril Mídia com 3.458 motoristas de carros, entre os últimos dias 3 e 11, mostra uma autocrítica afiada. Para 42% dos entrevistados, os maiores vilões das ruas não são caminhoneiros nem motociclistas, mas os próprios condutores de automóveis.
Ao ocuparem os 17.000 km de ruas e avenidas da metrópole, os motoristas recebem, diariamente, 9.000 multas de velocidade, 6.000 por desrespeito ao rodízio e 2.700 devido a estacionamento irregular, entre outras. Nossa frota circulante, de 3,8 milhões de veículos (quase um para cada dois paulistanos maiores de idade), produz 58% dos gases poluentes que respiramos e forma engarrafamentos que na semana passada chegaram a 249 km no pico da manhã (extensão que supera a distância até Botucatu).
Em um contexto urbano nada favorável - de asfalto esburacado e tolerância com as latas-velhas -, a rotina nos engarrafamentos acaba por enlouquecer o mais educado dos cidadãos e extenuar os que passam o dia no meio desse caos. "A maioria acaba querendo tirar vantagem, não dá passagem e costura pelas faixas para conseguir andar um pouco mais", afirma Alberto de Souza, fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Quem vem de fora logo tem algo a dizer não apenas do fluxo intenso, mas sobre nossa relação íntima com ele.
Quando observamos os vizinhos de pista pelo retrovisor, o defeito que mais se nota (por 74%) é o egoísmo. A irritação com esse comportamento aparece em diversos tópicos da aferição, como em uma questão específica sobre brigas, em que são vários os relatos do tipo "eu estava tentando estacionar e a pessoa se apressou para colocar o veículo na vaga antes de mim".
Em segundo lugar na lista de vícios está a imprudência, citada por 68%. O curioso é que um porcentual semelhante, 60%, admite cometer infrações com alguma regularidade. Dois em cada cinco motoristas contam fazer atividades enquanto estão no trânsito, várias delas perigosas, como maquiar-se ou ler um livro.
A professora de inglês Adriana Longo, que corta a cidade o dia todo para dar aulas a funcionários de multinacionais, arranjou uma maneira para otimizar esse tempo sem a reprovação dos "marronzinhos". Põe para tocar CDs que ensinam idiomas. Já aprendeu espanhol, está praticando francês e planeja retomar o italiano. Mas e a atenção, como fica? "É como escutar música, não me atrapalha em nada", afirma.
Ainda no plano das confissões, apenas 4% assumem dirigir após ingerir álcool. A maior parte (87%), aliás, conta jamais ter sido parada em uma blitz da Lei Seca, o que reforça a impressão recorrente de que esse tipo de fiscalização não pegou em São Paulo.
Quase metade dos entrevistados assume o uso do telefone enquanto dirige, uma das maiores pragas no trânsito (entre 2002 e 2011, o total anual de multas para essa conduta arriscada triplicou, passando de 461.000).
Nossas barbeiragens foram detectadas em estudo recente da companhia no qual a falta de "simancol" fica evidente. Quando questionados se davam seta ao fazer conversões ou mudar de faixa, 96% dos consultados afirmavam que sim. Em uma contagem em alguns pontos estratégicos da cidade feita no mesmo período, constatou-se que o índice real era de 60%. Quanto à faixa de pedestres, a disparidade foi ainda maior: 91% relatavam respeitá-la se alguém quiser atravessar, ante 27% que cumpriam tal obrigação.
Estudos comportamentais como esses não são frequentes na CET, mas, segundo especialistas, constituem uma prática importante na elaboração de estratégias.
O que mostram as estatísticas
Desde o ano passado, as multas de velocidade têm superado as de rodízio. Abaixo, as infrações mais comuns no primeiro trimestre
1 - Excesso de velocidade
2 - Desrespeito ao rodízio
3 - Estacionamento irregular
4 - Invasão da faixa exclusiva de ônibus
Fonte: Revista Veja São Paulo, 30 de maio de 2012