A concepção da cidade compacta vem se tornando hegemônica no planejamento e gestão urbana, em função do agravamento dos congestionamentos, apesar dos focos de resistência contra a verticalização e adensamento de áreas da cidade.
Embora haja relativo consenso em relação à concepção, não há ainda suficiente convergência em relação às estratégias, os instrumentos e ações.
Uma ideia muito presente, apesar de equivocada, é que vagas de estacionamento induzem à aquisição e uso do automóvel. A ordem real é que as pessoas querem ter o automóvel para facilitar o seu deslocamento dentro da cidade e, tendo posse de um veículo, precisam de vagas para estacioná-lo. Tanto na origem como no destino.
A suposição é que, se o proprietário do automóvel não puder contar com uma vaga para o seu carro, isso seria uma dificuldade adicional, além do IPVA, seguro, combustível, manutenção etc., o que o levaria a desistir de ter o carro e passar a usar o transporte coletivo.
Procuraria, então, morar próximo a uma estação metro-ferroviária, de terminal ou estação intermediária de ônibus, onde o planejamento e a regulação urbana promoveriam o adensamento misto, com a conjugação de diversas funções urbanas.
Desta forma, o cidadão poderia encontrar trabalho em local próximo, assim como locais de alimentação, compras, lazer, educação, saúde e outros que lhe facultariam os deslocamentos a pé, ou por meios não motorizados e, quando fossem mais distantes, teriam o transporte coletivo à sua disposição, também acessível por uma caminhada a pé ou de bicicleta.
Mais uma vez é preciso separar o comportamento das pessoas pelo seu nível de renda, uma vez que suas prioridades e peso dos fatores nas decisões pessoais são diferentes.
Há hoje, em São Paulo, uma demanda por estúdios e apartamentos com um dormitório, em lançamentos novos, próximos às estações de metrô, por pessoas que dispensariam a posse de um carro e, consequentemente, não requereriam uma vaga na garagem. Se o prédio todo fosse de unidades desse padrão dispensaria até a garagem, como ocorria em prédios mais antigos.
Mas são compactos de luxo, com elevado preço por m2, e a sua aquisição ou aluguel só seria viável para pessoas de média e alta renda. Seriam, principalmente, jovens "descolados" ou adultos separados e adeptos do ambientalismo. Essa demanda tem ainda outro elemento que não dispensa o carro: os executivos que possuem uma boa casa em áreas distantes (Cotia, Embu, Barueri e outras localidades), continuam trabalhando na área central de São Paulo e permanecem nessas unidades, para não terem de enfrentar os congestionamentos diários nas rodovias de acesso a São Paulo.
A proposta de eliminar a exigência mínima de vagas por unidade residencial é apoiada pelo setor imobiliário que, com isso, poderia lançar unidades a preços menores, sem o encargo da vaga. A medida está em curso e deverá prosperar. Porém, o Poder Público para não perder o seu vezo regulatório, quer trocar o mínimo pelo máximo. Isso não deveria ser regulado pela lei. Deveria ser deixado para as decisões do mercado.
Há outra questão a considerar. A área do entorno das estações do metrô, que a Prefeitura de São Paulo quer fixar num raio aproximado de 200 m, é pequena e sendo de uso misto criará empregos também para os não moradores da área que chegarão a ela de metrô ou trem. Mas, para pegar esse meio de transporte na sua origem, poderiam ter usado o seu carro até a estação.
A suposição é que não tendo facilidade de vaga ele não iria de carro. A reação mais provável de quem pode arcar com os custos de movimentação do carro seria outra. Ele pegaria o carro e não iria até próximo à estação do metrô, mas faria o percurso completo com o seu carro, enfrentando os congestionamentos.
Vendo a questão na estação de origem, o entorno precisará ter vagas para o "parking and ride" para atender àqueles moradores além dos 200 ou até 400 m que querem chegar até a estação e seguir até o seu destino de metrô (particularmente, eu sou um deles, morando a cerca de 2 km de uma estação metroviária).
Essa divergência de necessidades cria uma contradição em relação à existência (ou não) de vagas no entorno próximo a uma estação metroviária: de um lado se quer edificações sem vagas para atender aos "sem carro" que se deslocam dentro da própria área por meios não motorizados, porém, de outro lado, é preciso ter vagas para aqueles que, tendo carro, querem deixá-lo na garagem e usam o metrô e para aqueles que querem chegar de carro até a estação e seguir de metrô.
Qualquer solução regulatória será ruim. O mercado saberá resolver melhor a contradição. É o que já está fazendo com lançamentos de grandes empreendimentos com uma composição mista de produtos, envolvendo tanto estúdios sem vaga, como apartamentos maiores com até duas vagas.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
NOTA:
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