A substituição do carro pela bicicleta é uma solução para melhorar a mobilidade urbana, porém, nem sempre é conveniente. Possível sempre é, mas a que custo pessoal?
O tráfego por bicicleta em vias estruturais é inconveniente, a menos da criação de uma via exclusiva: uma ciclovia. A eventual criação de uma ciclovia entra em concorrência ou conflito com as vias de tráfego de veículos motorizados e, em alguns casos, com as faixas de ônibus. Qual seria a vantagem de substituir uma área destinada à circulação de automóveis por bicicletas, que é também um transporte individual? Dirão os seus defensores que a bicicleta ocupa muito menos espaço que um carro para transportar a mesma pessoa. Os críticos dirão que a questão não é o espaço estático, porém o fluxo. Na prática, quantas pessoas estarão trafegando pelo mesmo trecho de bicicleta e quantas de automóvel? O mesmo raciocínio vale para a comparação entre quantidade de pessoas trafegando por um meio coletivo com aqueles que estão trafegando por meios individuais. A comparação precisa incluir o fator tempo. Mesmo com essa inclusão, os transportes coletivos ganharão. Já as bicicletas não.
O mais importante é a maior aproximação entre a moradia e as demais atividades urbanas, dentro do modelo da cidade compacta. Mas nesse caso há questões culturais que determinam a distância aceitável para fazer o percurso a pé ou de bicicleta em vez de "usar o carro para ir até a padaria". 400 m é uma distância curta ou já é longa? As avaliações são pessoais e para os de mais idade, formados na cultura da facilidade do carro, é longa. Já para os jovens será uma distância curta: um pulo. E muitos de classe média e alta terão sido educados na cultura da bicicleta. Já os de menor renda continuam sem opção. Não têm carro.
Portanto, estamos sempre nos referindo a uma minoria. Mas "barulhenta" e ativa, que dá a impressão de ser toda a sociedade. Porque eles falam em nome da sociedade, dizem representar o interesse comum. No entanto, a maioria continua usando o carro para ir à padaria.
É uma situação figurativa, mas a realidade é que as antigas e tradicionais padarias em cada esquina, do português, estão sumindo, na cidade de São Paulo. As que não viraram "padocas", um misto de lanchonete e de minimercado, estão fechando. A que tinha na esquina de casa fechou, porque os descendentes dos "portugueses" não quiseram continuar o negócio. Há ainda a questão da valorização imobiliária que tem inviabilizado a permanência de alguns desses estabelecimentos em áreas mais valorizadas. Com isso, os mais ricos têm de percorrer maiores distâncias para encontrar uma "padoca".
O que poderia desestimular o uso do carro para "ir à padaria" poderia ser a dificuldade de estacionamento. Mas as "padocas" para não perder, ou até ganhar, clientes estão contratando manobristas e reservando áreas para estacionamento. E as áreas internas estão subindo em mais andares. Os movimentos pró-bicicletas ainda enfrentam muitas resistências, mas têm levado a uma errônea percepção de que o vilão do uso do carro é a facilidade de estacionamento. Com isso querem "tirar o sofá da sala".
Um elemento adicional é que trabalhadores de menor renda, que se valiam da bicicleta para ir ao trabalho e para "ir à padaria", estão conseguindo comprar o carro e usando-o. Enquanto as classes de renda mais alta estão querendo deixar o carro em casa, os de menor renda querem ter e usar mais o carro. E são em muito maior número do que os primeiros.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica e foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
NOTA:
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