A crise financeira originada nos Estados Unidos da América pelo desmoronamento dos sofisticados mecanismos de gestão de fortunas, a partir das fraturas no mercado imobiliário "subprime" e causando a dissipação do valor dos bancos de investimentos, não chegou diretamente ao Brasil. Por conta de regulações mais rigorosas e também por despreparo dos bancos brasileiros para operações tão sofisticadas, como as alavancadas por aqueles famosos e pomposos bancos de investimentos.
Mas provocou duas contaminações imediatas: a queda no valor das ações nas Bolsas de Valores, em todo o mundo, inclusive no Brasil, e a inoculação do vírus, através dos ataques ao real. Aí, verificou-se que os bancos haviam enganado grandes empresas, oferecendo uma suposta operação supervantajosa, mas com riscos limitados para os bancos e ilimitados para os tomadores. Os contratos são - aparentemente - lícitos, mas os tomadores prejudicados poderiam ou deveriam reclamar, com base nos princípios do Código de Defesa do Consumidor, contra a propaganda enganosa, contida nas letras miúdas dos contratos.
As cotações nas Bolsas de Valores despencaram. O dólar subiu vertiginosamente, mas os exportadores não ganharam muito porque o mercado refluiu. As quantidades diminuíram. Já as importações continuaram francamente abertas. O governo é absolutamente liberal e antiprotecionista em relação à demanda de importados.
O que gera duas pressões inflacionárias: preços internos sobem em função das referências exportadoras, como no caso das carnes. Compensadas com promoções de "partidas de exportações canceladas". De outro, produtos importados baratos que sustentavam uma inflação mais baixa deixam de ter efeitos de contenção dos preços.
A primeira marola chegou na forma de redução dos valores das ações, que ainda continuam baixos, com movimentos especulativos dia a dia. A segunda, nos aumentos do dólar, com desvalorização do real, pegando muita gente graúda com as "calças na mão". A terceira, na redução dos volumes de exportação.
A maior onda - já não mais uma marolinha - veio na forma da restrição de crédito. Primeiramente por conta do encolhimento geral dos ativos financeiros e reais. E, secundariamente, em função do aumento da "aversão ao risco".
Nas operações primárias, o usual é o financiamento com base em garantias imobiliárias - ditas reais. Se os ativos se desvalorizam, deixam de garantir. E sem garantias os bancos não emprestam.
As autoridades monetárias, em todo o mundo, tomaram as providências para sustentar o sistema financeiro, incluindo amplas estatizações, com idéia, depois de passada a crise, de desestatizar. Algumas quebras ocorreram, mas conseguiram conter a hemorragia. O doente continua frágil, mas sem risco de morte.
A crise financeira, como tal, está controlada. O problema agora está na sua contaminação como crise econômica, mais difícil de ser atacada. Porque, a não ser em raros casos, não existem mais autoridades econômicas. Essas foram inteiramente dominadas pelo credo monetarista, pois acreditam que tudo se resolve pelas políticas e instrumentos monetaristas.
A crise econômica tem como fundamento a falta de confiança do consumidor, que adia algumas compras. O setor mais rapidamente afetado é a indústria automobilística e toda a sua cadeia, que chega ao minério de ferro.
O abalo na confiança do consumidor brasileiro já chegou e está determinando uma forte redução nas compras de bens duráveis de reposição. Mas o movimento geral das vendas ainda está elevado, com um aumento em relação ao do ano anterior.
Significa que a marola ainda é setorial e parcial. Dentro da obviedade.
O estouro da bolha automobilística já era esperado, mas dentro da lógica do mercado, nenhum concorrente queria desacelerar antes do tempo. Houvesse essa desaceleração, o "pouso seria suave". Deixando chegar a crise, o pouso já é abrupto.
O problema da Vale decorre de um erro estratégico, por falha de percepção dos cenários. Este colunista foi um dos que alertou que a bolha chinesa iria estourar depois dos Jogos Olímpicos. A Vale não acreditou e manteve a "queda de braços" com os chineses para um aumento extemporâneo de preços. Levando os chineses a suspender as compras. Logo em seguida estourou a crise financeira, com a quebra do Lehman Brothers.
Ela vai se refazer, mas tem de reduzir a produção e reduz os seus custos variáveis. Ou seja, os trabalhadores.
A maior ou menor intensidade da crise não vai ser dada pelos modelos matemáticos, até porque todos adotam os mesmos vieses. Vai ser dada pela maior ou menor contaminação partida dos setores já atingidos, através das suas demissões e corte nos suprimentos de seus fornecedores.
Aparentemente não há uma redução na confiança dos consumidores, mas apenas o adiamento das reposições. À espera de um clareamento melhor da situação, ou pela expectativa de uma redução ainda maior dos preços.
A estratégia da indústria automobilística promovendo feirões para desovar os estoques parece estar causando o efeito contrário ao desejado. Os compradores estão esperando pelo feirão da semana subseqüente, esperando que os preços caiam.
A baixa nas vendas não está mais na carência do crédito, mas no adiamento das compras.
Esse processo do "go and stop" da indústria automobilística já ocorreu outras vezes e se repetirá mais uma vez. Com renúncias fiscais e outros benefícios governamentais. Em nome da empregabilidade.
O mesmo vale para a indústria imobiliária e da construção.
A blindagem da crise dependerá de dois fatores fundamentais: da continuidade e aceleração dos investimentos em infra-estrutura e da sustentação do consumo da "nova classe média", ou seja, dos segmentos C e D. Além da eventual ascensão dos que hoje estão na classe E.
Uma coisa pode ser considerada certa, em função da lógica monetarista e fiscalista. Haverá concessões setoriais de benefícios fiscais, mas no conjunto haverá um aumento da carga tributária.
* Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.