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Especialistas estão convencidos de que o pagamento de pedágio para trafegar pelas vias de uma metrópole traz como consequência a redução do número de veículos e a melhora no trânsito. Também definida como taxa de congestionamento, a tarifa pretende incentivar uma mudança de comportamento: a disposição do usuário de trocar o conforto do carro pelo transporte público, que pode aumentar a velocidade e reduzir o tempo de deslocamento. Parece óbvio que o uso limitado do automóvel traga benefícios como menos poluição do ar e sonora, por exemplo, além de ajudar no trânsito. Mas conquistar o apoio da população para a cobrança pelo uso das vias públicas não é fácil. A implementação do pedágio tem um custo político alto. Adotado em cidades como Singapura, Londres e Estocolmo, o instrumento está longe de receber apoio incondicional. Algumas tentativas frustradas, como as de Hong Kong e de Edimburgo, confirmam a dificuldade. Os governos fracassaram em divulgar e debater o tema, os grupos de interesse contrários à proposta tiveram mais força que os ambientalistas, e a população olhou com desconfiança para os planos. Os projetos foram arquivados nos dois casos. Alguns governos locais consultaram a população por meio de plebiscito. No Brasil, a discussão sobre o tema ainda é limitada. "Os estudos sobre o pedágio são muito tímidos", afirma Ricardo Boareto, coordenador da área de mobilidade urbana do Instituto de Energia e Meio Ambiente, Iema.
Pesquisadores sustentam que o debate precisa ser instalado e esperam que o reconhecimento da necessidade do pedágio seja apenas uma questão de tempo. "O pedágio urbano melhora a cidade congestionada e ter o pedágio é sempre melhor que não tê-lo", afirma Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Sozinha, a taxa é considerada insuficiente para resolver o problema da mobilidade, que deve continuar a ser motivo de preocupação. "Não substitui de maneira nenhuma outras medidas", diz. De acordo com o pesquisador, a fila é a forma pela qual o mercado raciona um bem escasso. O congestionamento nada mais é que a fila do trânsito. Seguindo a linha de raciocínio proposta, a partir de certo nível de utilização, as vias públicas se convertem em um bem de natureza privada. Para racionar o uso desse bem, eleva-se o preço e obtém-se um menor congestionamento.
A incidência de uma política pública produz ganhadores e perdedores, mas Pessoa acredita que o pedágio urbano possa ser uma proposta na qual eventualmente todos ganhem. "O prefeito de São Paulo está correto ao enfatizar o transporte coletivo e tem trazido uma agenda nova importante", diz Pessoa. "Mas do ponto de vista político ainda não é o momento do pedágio urbano, senão já haveria projetos de lei tratando do assunto", diz. O secretário de transportes da cidade do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, reforça de certa forma a proposição. "Poderia ser algo a se cogitar no futuro, mas não no momento", diz.
Sansão esteve em Londres para conhecer de perto o funcionamento do sistema, mas diz que não se pensa em adotar nenhuma medida restritiva ao uso do carro em território carioca, seja ela o pedágio ou o rodízio. No momento, a estratégia é criar uma rede de transporte público de alta capacidade que vai afetar o uso do automóvel.
O urbanista e planejador Cândido Malta Filho defende o pedágio urbano há anos e acredita que a piora do trânsito confirma que ele sempre teve razão. Como a oferta de transporte público de qualidade cresce lentamente, o problema tem avançado mais rapidamente que a solução. A proposta de Malta Filho está vinculada à existência de uma oferta farta de microônibus na região do centro expandido. Essa malha auxiliar alimentaria o tronco (os eixos principais), formado por ônibus grandes e articulados, metrô ou trem. Para o sistema ser confortável, ele deve possibilitar que o usuário não caminhe mais de 500 metros para pegar o microônibus. O funcionamento depende, na opinião de Malta Filho, de os operadores de ônibus trabalharem em conjunto. Constituída por várias empresas menores, uma empresa grande operaria em corredores com uma frequência capaz de maximizar a utilização dos ônibus. "Há uma dificuldade em São Paulo em fazer com que as empresas cooperem entre si para colocar em prática a troncalização, uma solução defendida há 35 anos por técnicos em transporte", diz. Malta Filho foi secretário de transportes metropolitanos na administração de Olavo Setúbal, nomeado prefeito de São Paulo para o período entre 1975 e 1979. "O pedágio tira 30% dos carros das ruas", calcula ele, utilizando como parâmetro uma taxa de dois dólares. "É o que a gente vê nos feriados". Para Malta Filho, o mesmo projeto de lei que instituir o pedágio deve determinar que os recursos - acompanhados em tempo real pela população - sejam canalizados para investimentos em transporte público. Outra medida indispensável é a utilização de instrumentos para induzir os incorporadores a construir ao longo de linhas de metrô, cujas obras demoram de oito a dez anos. Ou seja: planejamento.
Em sentido contrario, é desaconselhável incentivar o excesso de demanda onde a capacidade já está esgotada. Malta Filho defende a aplicação de um cálculo de demanda no planejamento do transporte, modelagem que tem como ponto de origem estudos feitos pela universidade de Cambridge. Para ele, a aplicação da medida esbarra no setor imobiliário, o que termina por inviabilizar a cidade.
O engenheiro Paulo Cesar Marques, do programa de pós-graduação em transportes da Universidade Nacional de Brasília, UnB, identifica políticas inadequadas nas três esferas de governo. Ele acha que as decisões importantes nessa área precisam ser tomadas em conjunto com a população. A Lei 12.587, aprovada no começo de 2012, prevê a participação da sociedade civil na elaboração do plano de mobilidade. "O mecanismo de participação e gestão do cumprimento do plano de mobilidade oferece certa garantia de que as ações de curto e médio prazo preservem a preocupação com sustentabilidade e que as de longo prazo sigam adiante", diz. Marques entende que os investimentos em sistemas estruturantes precisam ser permanentes e não se pode esperar que sejam resultado de um ou dois mandatos. "O metrô tem que estar nesse planejamento, mas não é a solução para todos os males. Precisa haver diferentes modais operando e uma gestão integrada", reforça. Isso significa que falta de flexibilidade do metrô deve ser complementada com o ônibus. É certo que o cidadão não pode ser penalizado com um transporte de baixa frequência e com tarifas elevadas. Também não deve ser demonizado porque comprou um carro. A mobilidade exige políticas de longo prazo. Simplesmente substituí-las por outras de curto prazo não é a solução, afirma. Muito menos se elas forem contraditórias. Mas medidas complementares são bem-vindas. Entre elas estão o rodízio e o pedágio urbano. Segundo Marques, o primeiro tem prazo de validade menor porque as pessoas se ajustam a ele e o segundo conta com uma sobrevida. A construção de estacionamentos funciona na contramão dessas medidas e contribui para sobrecarregar o trânsito porque os investimentos nesse item dependem do aumento da demanda. A ampliação dos sistemas viários igualmente chama mais carros. "Tem que haver o desestímulo ao uso do carro e ao mesmo tempo é necessário provocar a migração para o transporte coletivo e a bicicleta", diz.
Fonte: Valor Econômico (SP), 26 de junho de 2014

Categoria: Geral


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