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Poucas pessoas podem dizer que multaram Barack Obama após sua eleição à presidência americana. Uma delas (se é que há outras) é a engenheira britânica Sharon Kindleysides, presidente da Intelligent Transport Systems, organização dedicada a formular políticas para o transporte público. Ainda que indiretamente, ela foi a responsável pela multa de 120 libras (R$ 456) aplicada ao presidente americano em maio de 2011, durante uma visita à Inglaterra. A comitiva de Obama circulou pelo centro de Londres sem pagar o pedágio urbano estabelecido em 2003 para melhorar o trânsito. Responsável pela implantação do pedágio, ela veio ao Brasil para participar de um seminário sobre mobilidade urbana convocado, ironicamente, durante a greve dos metroviários que parou São Paulo. Nos intervalos das palestras ? e dos congestionamentos ? ela falou à Dinheiro:

Dinheiro ? Qual é a sua expectativa e quais são as suas impressões sobre o Brasil?
Sharon Kindleysides ? Todo mundo na Europa sabe que o trânsito no Brasil é caótico. Mas eu não imaginava que seriam cidades tão modernas, tudo parece europeu. Já estive na África, e achava que o Brasil seria parecido. Quando saí do aeroporto de São Paulo, disse ?o carro está andando, onde está o congestionamento?? No entanto, logo em seguida tudo parou (risos). Não sei como vocês conseguem ficar tanto tempo no trânsito todos os dias. Alguém me disse que leva 2h30 para ir para o trabalho e gasta o mesmo na volta para casa. Não consigo imaginar viver assim.

Dinheiro ? Que alternativas seriam viáveis para São Paulo?
Sharon ? Cidades como São Paulo precisam de pedágio urbano. Em Londres, dois fatores contaram a favor. O primeiro diz respeito à mentalidade dos ingleses em relação ao transporte público. Eu moro em Cambridge, a 1h30 de Londres, e nunca penso em usar o carro para ir à capital. Sempre uso o trem, porque sei que é mais barato e que o trânsito é ruim. Mas a popularização dessa atitude no Brasil requer mais do que a simples melhoria dos transportes públicos. Há também uma questão cultural. Ao deixar o carro na garagem e pegar o ônibus, a pessoa percebe isso como um retrocesso após ter alcançado um determinado patamar social. A sensação é de fracasso, se mesmo chegando à classe média ainda tem de pegar ônibus. O ponto é que, para o pedágio urbano funcionar, os cidadãos têm de se apaixonar pelo transporte público. Têm de achá-lo confortável, limpo e receptivo.

Dinheiro ? São Paulo adotou uma medida controversa: destinar faixas exclusivas para os ônibus. Qual é a sua opinião?
Sharon ? Acho excelente, mas essas medidas precisam realmente impedir o fluxo de carros. Em Londres, por exemplo, há câmeras instaladas na frente dos ônibus. Se um carro está na faixa errada, automaticamente, é tirada uma foto de sua placa, o que facilita a fiscalização.

Dinheiro ? A sra. coordenou a implantação do pedágio urbano em Londres, conhecido como London Congestion Charge. Como foram os estudos de viabilidade?
Sharon ? É importante estudar não só a área a ser bloqueada, mas também as vias de acesso. Quando se impede a circulação, é imprescindível que os carros possam estacionar nas ruas laterais e que elas sejam seguras. Muitas mulheres vão ter de andar sozinhas por ali à noite e não podem se tornar alvo de assaltantes. Além disso, as empresas precisam ser mais flexíveis. Não adianta instaurar rodízio e esperar que o trabalhador chegue todos os dias no mesmo horário. Todo mundo tem de querer melhorar o trânsito.

Dinheiro ? Por que a população de Londres aceitou o pedágio?
Sharon ? Na verdade, nós nunca perguntamos aos londrinos se eles queriam o pedágio (risos). Se tivéssemos perguntado, a resposta obviamente seria não, pois ninguém, voluntariamente, quer abrir mão da comodidade. No entanto, houve uma experiência muito instrutiva em Estocolmo. Lá, as autoridades instituíram o pedágio por seis meses e depois fizeram um referendo para ouvir a população. Obviamente, a maioria votou contra, o que funcionou perfeitamente bem, porque, assim que o pedágio foi retirado, o trânsito voltou a ficar intransitável. Esse processo mostrou como o pedágio é eficiente.

Dinheiro ? Em que a sra. investiria, em São Paulo?
Sharon ? No metrô. Apesar de ser caro e de levar tempo para ser construído, suas linhas são subterrâneas e, consequentemente, não interferem no trânsito na superfície. O problema de investir em linhas de ônibus elétricos é que, enquanto se constrói a infraestrutura, algumas faixas são fechadas, o que causa ainda mais problemas. Mas os estudos têm de ir muito além. É importante pensar no transporte como um todo. Como as pessoas vão chegar até o aeroporto? O que vão fazer quando saírem do metrô, vão andar ou usar bicicletas? Tudo isso tem de ser discutido e planejado, sem improvisação.

Dinheiro ? Quais foram as principais preocupações do pedágio urbano?
Sharon ? Os comerciantes ficaram preocupados com uma queda no número de clientes. Mas, pensando bem, a Oxford Street, no centro de Londres, é endereço de algumas das lojas mais caras do mundo. Portanto, uma taxa de dez euros (R$ 30) não vai afastar quem consome grifes de luxo. A questão é que, quando se começou a debater o pedágio, havia muita discussão sobre terrorismo, por causa do Iraque. Então, não dava para medir se as pessoas não saíam às ruas devido ao pedágio ou se estavam com medo.

Dinheiro ? Falamos em limitar a circulação de carros, mas o governo incentiva a compra deles. É um contrassenso?
Sharon ? Podiam ter feito ?compre o seu carro, mas aqui está o seu bilhete do transporte público?. Carro é uma forma de status. Ninguém vai deixar de comprar seu automóvel, se puder. A questão é como lidar com isso. Em Manchester, o governo distribuiu bilhetes de graça para as pessoas andarem de ônibus no dia de jogo de futebol. Os anúncios diziam ?o estacionamento estará lotado e você tem uma forma gratuita de ir ao estádio?. O resultado foi tão bom que muita gente voltou a usar o ônibus no dia seguinte para ir para o trabalho. Já em Glasgow, na Escócia, o estímulo foi diferente. Se o usuário colecionasse cinco bilhetes, poderia trocá-los por um prêmio.

Dinheiro ? Há outros incentivos, não financeiros?
Sharon ? Sim. Outra iniciativa positiva é fazer as pessoas perderem o medo de usar o transporte público. Em Londres, fizeram um teste com 30 crianças deficientes. Colocaram-nas no ônibus e deram a elas tablets com um aplicativo que dizia ?está na hora de descer?, e o resultado foi fenomenal. Eu tenho medo de andar de ônibus. Nunca sei para onde ele está indo, e olha que eu tenho 45 anos e diversos diplomas. Mesmo assim, não consigo entender o mapa das linhas (risos). Imagino então a sensação das pessoas que não nasceram na cidade ou que não falam inglês. Essas iniciativas podem parecer pequenas, mas têm impacto, inclusive, na economia. Quando as pessoas se sentem mais seguras, passam a comprar e a procurar emprego em locais mais distantes, o que movimenta a economia.

Dinheiro ? De onde deve vir o exemplo para essa mudança de comportamento?
Sharon ? Dos governantes. É uma questão que tem de vir de cima para baixo. O prefeito de Bristol, por exemplo, sempre usa bicicleta. É necessário que a população encontre o político no ônibus, mas eu sei que isso é difícil.

Dinheiro ? Isso não acontece com frequência por aqui...
Sharon ? Na Inglaterra também não, são poucos os políticos que fazem isso por lá. Mas há exceções. Uma amiga da minha filha encontrou o príncipe William no trem.

Categoria: Geral


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