Para o engenheiro Adriano Murgel Branco, 76, que estuda trânsito há 52 anos, a única grande novidade nesse debate é a violência cada vez mais recorrente dos motoristas. "Isso vai obrigar a uma reflexão profunda sobre os transportes", diz.
Em seu arquivo pessoal, Branco tem recortes de jornais e revistas da década de 60. Com empolgação, mostra os registros de quando participava pelas primeiras vezes do debate público sobre o trânsito na cidade. Ele mesmo chama a atenção para a atualidade daquela antiga discussão. Ou para a antigüidade da atual.
Há 40 anos, por exemplo, ele escreveu o artigo "São Paulo vai parar", publicado no jornal "A Gazeta" (05/06/68). Esse texto foi apenas um entre os muitos que elaborou no período.
Hoje, ele explica: "A concentração do debate no final da década de 60 se deu a partir da constatação de que o trânsito começava a ser um problema. A situação chegava a um limite".
Tanto assim que, em junho de 1970, a Folha publicava uma série de reportagens para dar conta de um debate promovido pelo Instituto de Engenharia sobre o problema do trânsito.
Naquela época, claro, o "problema" tinha outra dimensão. Reportagem de "O Estado de São Paulo" de 17/12/61 já alertava: "Mais de 220 mil veículos na capital agravam o problema do congestionamento das ruas". Hoje, existem cerca de 6 milhões de carros na cidade.
Para Branco, a capital chegou agora a um novo limite. E a discussão volta. "Mas o que me preocupa hoje é que o debate está sendo feito praticamente sem propostas", afirma.
As propostas que existem não parecem avançar muito em relação a uma das sugestões de 40 anos atrás. Por exemplo, a revista especializada "O Dirigente Construtor" de maio de 1967 publicava artigo de Branco com o título "Transporte coletivo é a chave do trânsito".
Violência
Mas nem tudo é repetição do passado. Episódios recentes de brigas fatais entre motoristas ou de pessoas dirigindo na contramão mostram que o problema não mudou só de dimensão, mas também de nível.
"O caos transbordou para a violência: as pessoas se matam na rua por causa do trânsito e do transporte. Isso vai obrigar a uma reflexão. O momento é muito oportuno para uma grande tomada de consciência. Esse caos violento está mostrando para as pessoas que nós sonhamos com uma solução que não existia", diz Branco.
"E é preciso lembrar que todos temos uma cumplicidade com o automóvel. Isso vai dos interesses da indústria da construção e automobilística ao sujeito sem recursos que espera não o Metrô, mas a chance de comprar um carro, e passa, claro, pelos administradores públicos que não querem bancar projetos de longo prazo."
A esperança de Branco é que a superação do caos atual se dê por meio de soluções "mais verdadeiras" do que as buscadas nos últimos 40 anos.
No final da década de 60, a situação chegara a uma bifurcação em que se devia escolher entre trânsito e transporte. "Decidiram focalizar no trânsito: um erro", diz Branco.
Grandes obras viárias passaram a ser a marca de diversos prefeitos e governadores desde então. Resultaram em um alívio que, cedo ou tarde, seria interrompido. Para Branco, "sem investir no transporte de massa, não tem como resolver".
Até houve um ensaio nessa direção. Em 1968, foi criado o Metrô. Seis anos depois, o trecho Jabaquara-Vila Mariana começou a operar comercialmente. Segundo Branco, a iniciativa serviu como resposta e acalmou o intenso debate sobre o trânsito. "Mas, 40 anos depois, São Paulo tem 60 km de metrô. O México, em tempo menor, tem mais de 200 km."
Com a impaciência de quem "passou a vida inteira esperando e não viu as coisas acontecerem", Branco afirma: "Chega de enganar! Nós nos enganamos e enganamos os outros por 40, 50 anos com as soluções adotadas até agora. Uma avenida aqui, uma ponte ali, um túnel acolá... Essa coisa do prefeito obreiro, sem visão de longo prazo, isso precisa mudar".
Aos 76 anos, Branco não se cansou de esperar.
Fonte: Folha de S. Paulo, 8 de junho de 2008