Diante dos crescentes problemas de trânsito nas grandes cidades as garagens subterrâneas são uma solução sempre lembrada, apregoada, mas pouco efetivada.
Agora com as campanhas eleitorais para as Prefeituras e Câmara de Vereadores elas vão emergir, novamente, como uma grande solução, que ficará nas promessas.
Por que isso ocorre?
Porque é um dos mitos que povoa o imaginário popular, mas que não tem correspondência com a realidade.
Para o motorista que tem dificuldade de encontrar uma vaga nos pólos de destino de viagem urbana e, quando acha, tem que pagar "uma nota", a garagem subterrânea lhe parece uma solução óbvia que aumentaria as vagas e tornaria os preços mais acessíveis.
Nos estacionamentos privados, o operador tem que pagar um aluguel, seja para o proprietário de um terreno vago ou para o condomínio num edifício, valor esse que ele repassa ao usuário do estacionamento. Que constitui, em geral, a maior parte dos custos.
A cidade de São Paulo tem dois estacionamentos subterrâneos sob áreas públicas: um sob a Praça Alexandre de Gusmão, na região da Avenida Paulista, e outro junto ao Complexo do Hospital das Clínicas. Nenhum dos dois é um bom negócio e os investimentos feitos ainda não se pagaram, a taxas de mercado.
A Prefeitura quer licitar as garagens subterrâneas, com base em projeções otimistas de ingresso de veículos e de receitas, estabelecendo como critério de seleção a oferta de maior remuneração. Corresponderia a um ônus a ser pago pela concessionária, à semelhança do que é estabelecido nas concessões rodoviárias de São Paulo.
Os operadores de estacionamentos, ao contrário, querem uma participação do Poder Público nos custos, com a adoção do modelo de PPP (parceria público-privada), sem a qual não se interessam em participar da licitação. Sem uma "garantia" do retorno do investimento, os investidores igualmente se retraem.
As licitações não ocorrem pelo risco de serem vazias, ou seja, sem apresentação de concorrentes, como ocorreu em licitações passadas.
Onde está a diferença?
A diferença está na taxa média de ocupação do estacionamento e ainda no "ticket médio".
O imaginário se baseia na situação concreta na hora do pico, porque lhe afeta diretamente. Tende a universalizar um fato pontual.
Num estacionamento que opera 16 horas por dia (das 6h00 da manhã às 22h00) dificilmente a taxa média de ocupação passa de 60%. É preciso abrir cedo para atender aos madrugadores e fechar um pouco mais tarde, para atender aos retardatários, mas entre as 6h00 e as 9h00 ou entre as 19h00 e as 22h00 a taxa de ocupação fica em torno de 20%, com exceção dos estacionamentos que atendem a um público hospitalar.
Estacionamentos que operam 12 horas podem ter uma taxa de ocupação maior, e os que operam 24 horas ficam com a sua ocupação média abaixo de 50%.
Mas, tanto o aluguel como a remuneração ou juros dos investimentos correm 24 horas por dia. Não param, como diz o nordestino: "Juri, eta bicho danado: num come, num drome e caminha o tempo todo".
O tempo útil tem que cobrir o tempo ocioso.
O estacionamento estritamente privado é visto como um negócio particular. Pode-se reclamar, mas aceita-se que possa fechar em horas de menor movimento. Já a garagem subterrânea é percebida como um serviço público. O cidadão se acha no direito de exigir que a mesma fique aberta 24 horas por dia e a tarifas razoáveis. Nos estacionamentos privados o preço varia em função do mercado, da demanda. Na garagem subterrânea, objeto de concessão pública, só pode ser alterado mediante aprovação do Poder Público.
O gerenciamento dos estacionamentos privados sempre enfrenta o dilema do mensalista. Esse é necessário para aumentar a taxa de ocupação e cobrir os custos fixos, mas reduz o "ticket-médio". Quando o estacionamento é tomado pelos mensalistas, não sobra vaga para os avulsos, que pagariam um valor maior.
Na prática o que ocorre é que nos estacionamentos privados começa-se sempre com um volume maior de mensalistas, atraídos por promoções. Quando a demanda dos avulsos aumenta de forma constante, os mensalistas vão sendo "expulsos" por reajustes elevados e fim das promoções.
A alternativa para eles são os estacionamentos mais distantes do seu local de destino. Ou, quando há, as garagens subterrâneas.
As duas experiências de garagens subterrâneas em São Paulo mostram comportamentos diversos. Na garagem Trianon, que fica junto a um grande pólo de escritórios, essa não é a primeira opção para o estacionamento de curta duração, para os avulsos. A preferência é pelo estacionamento no próprio edifício ou mais próximo do local de destino.
Já o das Clínicas é a primeira opção para os que vão para consultas no Hospital das Clínicas ou Instituto do Coração ou para visitantes de pacientes. Quando encontram vagas, no período da manhã. À tarde já há ociosidade e à noite o estacionamento é tranqüilo. Para o usuário. Não para o gestor.
Dentro dessa perspectiva, real, não imaginária, uma garagem subterrânea só será rentável em locais que tenham uma alta movimentação de pessoas e veículos, pelo menos em três turnos de 6 horas, ou seja, entre 16 a 18 horas por dia. Não são viáveis em áreas estritamente de escritórios, que ficam vazias à noite, como o centro tradicional.
O terceiro turno é de entretenimento e de lazer. Sejam os cinemas, teatros, como os bares e restaurantes.
O centro da cidade acabou com os seus cinemas. Não houve a substituição pelo moderno modelo de múltiplas salas de pequena capacidade e alta tecnologia. Os cinemas que sobraram são salas para filmes pornográficos.
E por que não há a instalação de conjunto de salas de cinema no centro? Provavelmente porque ainda não há público suficiente para pagar R$ 16,00 ou R$ 18,00 por um ingresso.
O centro tradicional foi tomado pela pobreza e não consegue atrair a riqueza novamente. A Prefeitura quer "expulsar" os pobres, mas isso não garante o retorno da riqueza.
O centro da cidade não é um pólo gastronômico noturno. Algumas tentativas como o Salve Jorge, na Praça Antonio Prado, ou o Brahma, na Avenida São João, se sustentam mas ainda não frutificaram para a transformação num pólo.
Estacionamento não tem demanda primária. Medir o fluxo, em alguns momentos, para expandir, por métodos estatísticos, como ensinam os manuais de transporte e aplicados nas projeções de demanda de estacionamentos, não é suficiente e leva a erros.
A viabilização das garagens subterrâneas não está nelas. Mas no desenvolvimento de uma demanda continuada. Não apenas de horas de pico.
*Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.