Um dos tratamentos de beleza urbana mais copiados e admirados é o de Barcelona, na Espanha. De porto industrial decadente após quatro décadas de franquismo, a capital da Catalunha virou potência turística e referência de arquitetura.
Para isso foi preciso tirar outdoors e recuperar fachadas históricas. Inspiradora da Lei Cidade Limpa paulistana, a campanha "Barcelona, posat guapa" (ponha-se bela) iniciou a transformação da cidade, que seria sede das Olimpíadas de 1992.
Mais de 5.000 fachadas foram restauradas. O economista Ferran Ferrer Viana, da Prefeitura de Barcelona, foi responsável pela campanha por mais de dez anos e, por telefone, comenta a Lei Cidade Limpa.
Recuperar fachadas
Retirar outdoors é só o primeiro passo. Para deixar a cidade mais bonita, você precisa recuperar o que estava atrás dos outdoors.
Em Barcelona, com a retirada dos outdoors, em 1986, o espaço para a publicidade se tornou mais caro, valioso.
Então, quem topasse restaurar fachadas de edifícios históricos poderia ocupar por um ano as lonas das reformas com o logotipo de sua empresa. Restauramos 600 prédios históricos assim. Naquela época, a Prefeitura de Barcelona não tinha dinheiro, então foi uma solução à mão, boa para todos.
Paredes cegas
Sem os outdoors, sobram aquelas estruturas enormes, que devem ser retiradas rapidamente. Sem manutenção, elas podem cair.
É importante um programa de estímulo e ajuda para transformar as paredes cegas dos prédios, aquelas laterais que a publicidade ocupava.
Em Barcelona, vários artistas criaram painéis, murais nelas, com patrocínio privado. O que é fundamental é retirar todas as agressões à pele dos edifícios: cabos, aparelhos de ar-condicionado, rótulos.
Cidade Limpa
Essa primeira fase, de multar e fazer operações de retirada com polícia e imprensa, pode ser eficaz, mostra que a prefeitura leva o assunto a sério.
Mas insisto que não se pode perder de vista que o mais importante é conseguir adesão ao programa, que seja um sinal de amor pela cidade, e que quem a desrespeite seja malvisto.
Parece sensato fazer uma operação de massa disciplinadora e corretora como a Lei Cidade Limpa. São Paulo está no bom caminho, parece que só dessa forma radical vocês avançaram muito. Eu acho que a prefeitura poderia canalizar o que for arrecadado com multas a quem mantiver outdoors irregulares para melhorar a paisagem urbana de caráter público.
Marketing
Prefeito tem que saber convencer, seduzir a iniciativa privada. Para restaurar fachadas de prédios históricos enormes, o prefeito de Barcelona levava o patrocinador para um evento ao ar livre, fazia homenagem, dava medalha.
O empresário ficava satisfeito com a repercussão. As lonas começaram a ficar mais bonitas, artistas plásticos eram contratados para que umas chamassem mais atenção que outras. A empresa e o estabelecimento ganhavam uma placa em que dizia que ajudaram "Barcelona a ficar mais bela".
Comunicação
A prefeitura precisa saber comunicar programas de isenção fiscal, projetos para recuperar patrimônio e de ajuda técnica.
Artistas e personalidades contribuíram sem cachê para a campanha de deixar Barcelona mais bela, assim como os jornais locais. Precisávamos recuperar nossa auto-estima no início da democratização.
Ar-Condicionado
Em Barcelona, as empresas de ar-condicionado participaram de campanhas com a prefeitura para oferecer grandes descontos a edifícios históricos ou de importância arquitetônica, que ficavam arruinados com os aparelhos nas fachadas.
Quem instalasse sistemas de ar-condicionado central em prédio histórico ganhava algum incentivo fiscal.
No início dos anos 80, Barcelona tinha pouquíssimas empresas de restauração e adaptação de prédios históricos. Hoje tem 300.
Propaganda
É uma boa opção permitir publicidade em pontos de ônibus, bancos, lixeiras, o mobiliário urbano. Não basta que a empresa que vença a concorrência renove o mobiliário com peças de qualidade, de bom design e resistentes.
Também deve pagar um valor ou porcentagem da publicidade à prefeitura. Esse dinheiro pode ajudar em ações paisagísticas. Vale fazer 1 bilhão por 20 anos, além de fornecer mobiliário de qualidade. Em Barcelona, é a empresa francesa JC Decaux que tem a concessão.
Vocês têm diversos prédios do [arquiteto] Oscar Niemeyer, esse é um patrimônio incalculável. Como um edifício imenso e maciço como o Copan pode ser tão leve? Parece que flutua.
E não vi nenhum bom guia turístico que destacasse isso, os prédios modernistas do cenO Gaudí era mais ou menos desvalorizado em Barcelona até os anos 70.
Muitos achavam que era de mau gosto. La Pedrera, um de seus maiores edifícios, estava preto por causa da sujeira e da fuligem.
A partir dos anos 80, quando todos foram reformados, criamos um roteiro Gaudí, e uma vez por mês todos os prédios ficavam abertos à visitação, até os particulares. A arrecadação com a venda de ingressos era destinada à preservação.
Boa pergunta
Temos uma comissão de qualidade na prefeitura que reúne grandes arquitetos locais e estrangeiros, urbanistas, empresários e designers.
Quando se pede autorização para construir um prédio novo, muito grande, essa comissão precisa decidir se a qualidade é boa, se é harmonioso.
Eles dão palpites, pedem mudanças. Alguns prédios feios até que são aprovados, mas muitos horrores são evitados.
Novas lonas
Hoje, as lonas que cobrem obras de restauro ou construção. Eles já não patrocinam apenas a recuperação das fachadas.
Agora, é cobrado um valor bem alto pela prefeitura, que escolhe de imediato um elemento público que será restaurado pelo patrocínio da lona - e isso consta na própria: "Esta lona ajuda a restaurar a estação ferroviária ou a igreja ou um parque".
Cabos e fios
Agora que não estão os rótulos publicitários nem as "coroas" luminosas nos topos dos prédios, o que incomoda são os cabos de luz, a fiação, os carros que ficam mal estacionados nas calçadas.
Esse processo de limpar a cidade ensina a ver o que está errado, o que antes estava coberto pela publicidade.
Exceções
Não seria ruim acolher exceções como elementos de interesse paisagístico durante um tempo, ou até indultar alguns elementos que viraram a cara da cidade, como Picadilly Circus, em Londres, ou Times Square, em Nova York, com seus luminosos.
Fonte: Folha de São Paulo (São Paulo), 21 de maio de 2007