O fim da era do petróleo barato vai nos obrigar a repensar o modo de produzir, comercializar, residir e consumir. O temor imediato dos especialistas não é tanto o esgotamento do petróleo, mas o momento em que a produção chegará ao seu ápice, pois a partir desse pico irá diminuindo e não poderá acompanhar o ritmo trepidante da demanda: o preço vai disparar e talvez já estejamos muito perto dessa linha vermelha.
Por isso os protestos de pescadores, taxistas e transportadores, que viram disparar o preço do diesel, podem ser a prova de que os alarmes já estão soando. Mas como o fim dessa era pode afetar nossas vidas?
Viajar menos, pensar melhor. Quando acabar o petróleo barato (sobre o qual giram 90% do transporte), será imposta uma redução da mobilidade, como prevêem vários autores no livro "El fin de la era del petróleo barato" (ed. Icária), coordenado por Enric Tello e Joaquim Sempere. As viagens serão uma exceção, e não a norma, e sem dúvida se reduzirão os trajetos evitáveis ou que não sejam fruto da mobilidade obrigatória.
Será o momento de promover o transporte público coletivo (sobretudo o trem) e prestigiar a mobilidade não-motorizada (pedalar e caminhar mais), enquanto os florescentes vôos de baixo custo têm o horizonte menos definido. No mercado aparecerá uma maior gama de carros mais limpos e se abrirá a porta ao uso do gás natural de origem biológica, procedente da decomposição de matéria orgânica (lixo) em depósitos, depuradoras ou granjas, afirma Josep Puig Boix, professor de energia da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB).
Já existem no mercado carros com motor híbrido (a gasolina e elétrico), que reduzem as emissões de CO2, e empresas que comercializam veículos com motores de combustão que usam hidrogênio. Surgem novas opções: os veículos com motores a diesel, por exemplo, podem, com pequenas modificações, queimar óleos vegetais crus.
Renováveis e nuclear em disputa
A menor dependência do petróleo exigirá muito mais eficiência. Seu lugar poderá ser ocupado pelo gás e o carvão (que é defendido com propostas para capturar e enterrar o CO2 para produzir eletricidade). O caminho deve ser mais claro para as fontes renováveis (eólica, solar térmica e fotovoltaica, biomassa, geotermia), que serão chaves para reduzir os gases do efeito estufa.
Se todas as pessoas que habitam a Terra tivessem o mesmo nível de emissões de gases que o Japão (mesmo sendo o país mais eficiente), alcançaríamos o dobro das emissões atuais. Por isso organizações como WWF/Adena pedem que os governos fomentem auditorias energéticas em todos os edifícios e órgãos oficiais, introduzam rigorosos programas de economia nas edificações e evitem grandes infra-estruturas (aeroportos, por exemplo), que desperdiçam energia.
Os promotores da energia nuclear continuarão centralizando o debate, mesmo que essa fonte só produza eletricidade (contribui com 6,9% do abastecimento de energia primária e 17% da eletricidade). No entanto, a gestão dos resíduos radiativos e o risco de proliferação nuclear são seu calcanhar de Aquiles.
Também há especialistas que vêem possibilidades para os agrocombustíveis, embora os ciclos produtivos possam ser insustentáveis em grande escala, já que existe o risco de que a produção de bioetanol (cereais) ou biodiesel (soja, palma...) entre em concorrência com as plantações para alimentação e faça subir seus preços.
Alimentos de campos próximos
A agricultura depende quase 100% do petróleo: para arar os campos e para irrigá-los, para fertilizá-los, combater as pragas e as ervas daninhas, fazer a colheita e levá-la aos mercados.
Por isso, a escassez de petróleo pode ter "efeitos devastadores não só para o bem-estar, mas inclusive para a sobrevivência de milhões de pessoas", diz Sempere, professor de sociologia ambiental na UAB.
O desafio é enorme para as tentativas de se aproximar a produção do consumo, mas uma melhor informação das experiências e uma organização social menos injusta devem melhorar os rendimentos da agricultura ecológica, afirma Ernest García, catedrático de sociologia na Universidade de Valência.
Reprojetar as cidades
O petróleo barato aumentou as comunicações e modelou atividades humanas que se distribuíram pelo território. Trabalhamos a 20, 30 ou 40 km do lugar de residência; o comércio ou o lazer podem estar muito longe de casa; e os bens industriais ou agrícolas vêm do outro lado do mundo.
O transporte ajudou nos benefícios econômicos, de modo que um telefone pode ser fabricado em uma empresa-rede dividida entre Filipinas, Guatemala, Taiwan e Alemanha.
O petróleo é responsável pela divisão do trabalho disperso sobre a Terra. Mas a globalização topa com o ocaso da era do petróleo e a mudança climática. E por isso alguns especialistas estimam que a escassez de energia obrigue a reprojetar as cidades para evitar sua expansão dispersa e para acabar com a atual separação espacial entre as atividades cotidianas.
No melhor dos casos será preciso acostumar-se a viver em superfícies de moradia menores (uma residência em vez de duas) ou a possuir menos carros ou carros menores para locomover-se (ou a compartilhá-los).
Outra maneira de pensar
O pico do petróleo próximo reforçará a idéia de que estamos consumindo recursos acima de nossas possibilidades, ou, em outras palavras, estamos minando o capital natural e portanto vivemos à custa do futuro, explicam Tello e Sempere.
E aparecerão novas utopias: cidades pequenas ou rodeadas por terras agrícolas, o desaparecimento dos grandes centros comerciais, espaços para serem percorridos a pé, a reabilitação dos edifícios de no máximo cinco andares, a redução das áreas de estacionamento.
Fonte: site do jornal La Vanguardia (Espanha), 29 de maio de 2008