A cidade de São Paulo inicia na próxima segunda-feira um teste de civilidade que, se bem-sucedido, diminuirá o risco de morte e de paralisia física de jovens. O teste se resume à aceitação de um selo de qualidade.
Serão anunciados os nomes das primeiras empresas de motofrete que receberam da prefeitura um selo de qualidade atestando obediência às normas de segurança. Isso deveria significar motoboys mais atentos, treinados e protegidos. Não acabariam, quebrados, num pronto-socorro. Ou, como é comum, mortos.
Para que o programa funcione é necessário um gesto: contratar os serviços de quem tenha o certificado. Vai funcionar? A resposta previsível: não. As entregas desses motoboys ficariam mais caras, afastando clientes. O poder público não teria disposição ou competência de cancelar o selo dos que não cumprirem as regras. Ou seja, mais uma tentativa tão bem-intencionada quanto inútil numa cidade irrecuperável.
O programa, porém, tem uma boa chance de amenizar a tragédia. Meu moderado otimismo se baseia, entre outras coisas, nos resultados do programa "Cidade Limpa", que visa diminuir a poluição visual em São Paulo, extirpando os outdoors e disciplinando os letreiros comerciais.
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São Paulo está exausta de tantas e tão variadas modalidades de selvagerias e sujeiras. O cansaço com o caos urbano vem provocando uma reação semelhante ao que se viu em Nova York, Bogotá e Barcelona, três exemplos de mobilização contra a deterioração social e urbana.
Quando se lançou, no ano passado, o "Cidade Limpa", a opinião quase unânime era de que ele não passaria de mais um esforço episódico, de vida curta, contra a indestrutível poluição visual.
Juntaram-se no lobby contrário à limpeza visual os empresários de mídia exterior e associações de comerciantes, cujos advogados obtiveram rapidamente liminares favoráveis. Estavam certos de que iriam ganhar. Mas liminares foram caindo e, hoje, já se vê o resultado nas ruas. Fachadas cobertas reaparecem como se respirassem.
O enfrentamento contra o lobby publicitário e de comerciantes não teria sido possível se boa parte da opinião pública, embora incrédula, não apoiasse o "Cidade Limpa". É o que vai ocorrer com o selo dos motoboys.
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Quem enxerga São Paulo além dos clichês sabe que, em segmentos da elite, está se desenvolvendo um senso de responsabilidade comunitária, seja por marketing, seja por modismo, seja por valores éticos.
Não há uma única empresa grande sem um projeto social; a qualidade dele é outra discussão. É uma nova mentalidade que se vai construindo acima dos partidos, dos governos e das ideologias. Muitas dessas empresas não vão querer ser apontadas como patrocinadoras indiretas dos acidentes com jovens; afinal, se contratam o serviço, tornam-se, agora, a ser co-responsáveis. Seria uma desmoralização. Os motoboys certificados vão ganhar contratos e, em breve, serão copiados pelos concorrentes.
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A reação à selvageria é apenas a conseqüência da sofisticação do capital humano local, reflexo dos avanços, embora ainda tímidos, educacionais e das organizações comunitárias. Por isso, entre outras razões, a taxa de homicídios caiu, nos últimos anos, 60%.
Precisou um olhar estrangeiro - uma reportagem publicada no mês pelo "The New York Times"- para que muitos nativos olhassem o que está na cara.
São Paulo, de acordo com o jornal, vive uma efervescência criativa, cosmopolita, que faz da cidade o epicentro (palavra do jornal) cultural do Brasil. Somos a cidade feia que, com seus estilistas, designers, arquitetos, gastrônomos e artistas, constrói a beleza com as próprias mãos.
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Desde o início deste ano, algumas das principais organizações da cidade reúnem-se num movimento batizado de "São Paulo sustentável" para lançar metas com o objetivo de gerar um sentimento coletivo de pertencimento e pressionar as autoridades - o movimento inclui sindicatos, empresários, executivos, fundações, universidades, associações de bairro.
Isso significa avaliar desde o aprendizado nas escolas públicas até a quantidade de dióxido de carbono lançado na atmosfera, passando pelo número de roubos e quilômetros de congestionamento. As metas serão acompanhadas permanentemente.
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Ninguém pode estar satisfeito com a qualidade de vida paulistana. Mas como acredito na capacidade de recuperação das cidades desde que exista uma mobilização de seus habitantes, não será possível São Paulo tolerar uma série de coisas - entre as quais, um motoboy morrendo por dia, um dos piores indicadores de uma cidade suja.
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PS- Os nomes das primeiras empresas que receberam o selo de qualidade estão no meu site (www.dimenstein.com.br).
Fonte: Folha de São Paulo (São Paulo), 08 de abril de 2007