As cidades de Maringá, no Paraná, São José do Rio Preto, em São Paulo, e Uberaba, em Minas Gerais, têm população entre 325.000 e 450.000 habitantes, uma economia forte e, nos últimos dois meses, passaram a ter outra semelhança: motoristas que trabalham em carros particulares usando o aplicativo de transporte da empresa americana Uber, a mais odiada pelos taxistas.
Desde sua chegada ao Brasil em 2014 até o fim de 2015, o Uber operou apenas nas maiores metrópoles brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. No ano passado, entrou num ritmo de expansão sem igual. Primeiro lançou o serviço em outras capitais: Goiânia, Recife, Curitiba, Salvador e Fortaleza... Mais recentemente partiu rumo ao interior. Desde agosto, 32 cidades ganharam o serviço, uma a cada seis dias.
Os quase 50 municípios brasileiros onde o Uber opera hoje concentram um terço da população brasileira e, mais importante, formam a parte mais rica do país. Nesse tsunami, o Uber tornou-se o maior serviço de transporte privado por aplicativo do Brasil, responsável, segundo um estudo com base em informações da consultoria alemã de análise de dados de aplicativos Prioridata, por 65% do mercado.
Com 9 milhões de usuários ativos e 50.000 motoristas, o Brasil é o terceiro maior mercado do Uber no mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Índia. São Paulo é a segunda cidade com mais corridas, depois da Cidade do México. Nesse ritmo, muitos especialistas em transporte já começavam a temer que o Uber estivesse numa rota para se tornar uma força monopolista, com efeitos indesejados, como aumento de preços e queda da qualidade. Até que, em janeiro, a concorrente chinesa Didi Chuxing desembarcou no Brasil.
E a briga pelo mercado brasileiro pegou fogo. Juntamente com o fundo americano Riverwood, os chineses investiram 100 milhões de dólares em uma fatia minoritária na99, alíder entre os aplicativos de táxi em todo o país e que também conta, em São Paulo, com um serviço de carros particulares, o 99 Pop, feito à imagem e semelhança do Uber. Para dar uma dimensão da importância do anúncio, vale lembrar que esse é o segundo maior investimento privado já feito em uma empresa de tecnologia brasileira. A expectativa, de acordo com pessoas próximas à negociação, é que a Didi Chuxing e o Riverwood coloquem mais 100 milhões de dólares ainda neste ano.
O dinheiro novo é importante por dois motivos. Viabiliza a expansão da equipe e dos serviços em novos mercados e, ao mesmo tempo, torna um ataque da concorrência via guerra de preços menos provável. No histórico, os chineses contam com o feito de terem encarado a concorrência com o Uber na China e, ao final, terem forçado a saída dos americanos daquele mercado. Em agosto, o Uber vendeu sua operação chinesa para a própria Didi Chuxing em troca de uma participação na empresa e 1 bilhão de dólares em dinheiro. Aqui, ninguém prevê um desfecho igual.
O cenário mais esperado é de uma briga ferrenha por fatias de mercado. "Temos uma visão de longo prazo para o Brasil. Não estamos no país por um ou cinco anos. Estamos aqui para ficar, para ajudar a 99", diz o chinês Kevin Chen, diretor de estratégia da Didi Chuxing e um dos executivos que lideram a expansão internacional. Desde 2015, o aplicativo chinês vem investindo nos principais concorrentes do Uber mundo afora, como o americano Lyft e o malaio Grab. Conhecidos por encabeçar a aliança anti-Uber no mundo, os chineses querem agora brigar pela liderança na América Latina. No tabuleiro global das empresas, alguns pontos parecem definidos.
O Uber, com um valor de mercado de 68 bilhões de dólares, é líder nos Estados Unidos e em outras economias ricas do Ocidente. A Didi Chuxing, com quase 34 bilhões de dólares em valor de mercado, domina na China No Brasil, a disputa está em aberto. Olhando para o curto prazo, o que está em jogo são os mais de 6 bilhões de dólares por ano gerados por corridas de táxi no Brasil. Como o transporte público nas cidades de porte grande e médio é quase sempre deficitário, o cálculo é que esse montante tem muito para crescer. "Por ser um mercado grande e com potencial, o Brasil deve ser um dos principais palcos da batalha global entre as duas empresas", diz André Castellini, sócio e diretor da consultoria Bain & Company em São Paulo.
O raciocínio é que os carros particulares chamados por aplicativos não competem apenas pela atual clientela dos táxis. O barateamento das corridas e a facilidade de encontrar carros atraem novos clientes. E há milhões na fila.
Fonte: Revista Exame - SP - 15/02/2017