Enfraquecer o modelo dominante de mobilidade nas grandes cidades, que coloca o automóvel como protagonista dos deslocamentos, e priorizar o transporte público coletivo e não motorizado, é a principal premissa da Lei Federal 12.587/12, que estabeleceu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Com a lei, municípios com mais de 20 mil habitantes teriam até 2015 - prazo já adiado para abril de 2019 - para aprovar planos de mobilidade urbana, integrados ao plano diretor, como contrapartida para acessar recursos federais destinados para projetos de infraestrutura de transporte. Cinco anos após a lei, porém, pouco foi feito. "Alguns municípios, impulsionados pela lei, tentaram avançar em seus planos de mobilidade, a exemplo de São Paulo e Belo Horizonte. Mas, no momento em que os recursos não estavam mais disponíveis por conta da recessão, houve desinteresse na elaboração dos planos", diz Clarisse Cunha Linke, diretora-executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil). Levantamento do instituto aponta que, até 2016, menos de 10% dos municípios haviam finalizado um plano de mobilidade - de um total de 3.325 municípios abrangidos pela lei.
Ainda que o investimento em infraestrutura de transporte público, notadamente corredores de ônibus, Bus Rapid Transit (BRTs) e Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) tenha aumentado em muitas capitais em anos recentes, não foi acompanhado por ações diretas para desestimular o uso de veículos nos deslocamentos urbanos. No exterior, são diversos os exemplos de iniciativas que envolvem desde a restrição da circulação, permanente ou temporária, de veículos em locais ou horários predeterminados, passando pela sobretaxação do automóvel e do combustível, até a extinção de vagas em vias públicas. Entre os mais famosos estão a cobrança de pedágio no centro de Londres e a previsão de proibir a circulação de veículos em uma área que soma190 hectaresno centro de Madri. Na Cidade do México, parte do dinheiro gasto para estacionar em alguns bairros é reinvestido em políticas públicas de mobilidade urbana e planejamento.
No Brasil, os movimentos mais recentes são relacionados à tentativa de enxugar a oferta de estacionamentos. Na capital paulista, o Plano Diretor Estratégico, sancionado em 2014, diz que em áreas bem servidas de infraestruturas de transporte público não será mais obrigatório atender a um número mínimo de vagas de garagem por empreendimento. Em Curitiba, há também previsão de edifícios com menos garagens nos eixos de transporte coletivo. A lógica é simples: com menos vagas, haveria desestímulo ao uso de carros. "A medida mais efetiva de desestímulo é encarecer o uso do carro e do estacionamento. A receita do estacionamento tem que servir de subsídio cruzado para investimento em outras infraestruturas de transporte", diz Clarisse. No Brasil, a falta de medidas de desestímulo ao uso do automóvel é acompanhada por políticas que impulsionam o consumo de veículos. Estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra que a frota de automóveis emplacados no Brasil passou de 22,48 milhões, em 2002, para 49,82 milhões, em 2015, alta de 121,6%. O avanço da frota de motocicletas foi de 402,2% no período.
Fonte: Valor Econômico - 03/06/2017