Parking News

No projeto de construção, eles deveriam ser edifícios modernos. Mas, na prática, são gigantescos esqueletos de concreto no meio da cidade. Abandonados pelo descaso dos proprietários ou embargados por disputas judiciais,  tornam-se focos de proliferação de ratos e mosquitos, como o transmissor da dengue, o Aedes aegypti, além de servir de esconderijo para marginais.

A três meses do aniversário de 47 anos de Brasília, as obras inacabadas ferem o projeto arquitetônico e o tombamento histórico da capital federal. Outro problema são os terrenos baldios espalhados por todo o DF.

O Jornal de Brasília encontrou obras inacabadas e terrenos abandonados em diferentes regiões do DF, como o Lago Sul e Ceilândia. Trata-se de um problema que não é restrito a um lugar. Para agravar a situação, muitas famílias carentes usam esses locais como abrigos e acabam transformando-os em verdadeiros lixões.

Situado no coração de Brasília, o estacionamento Vip Parking, ao lado do Venâncio 2000, abriga um "elefante branco". O esqueleto da obra do que seria a loja de departamentos "Bi Ba Bô" dá lugar a entulhos, carcaças de carros e até moradia de famílias. De acordo com o proprietário do estabelecimento, Fabrício Sarkis, a área foi comprada por meio de licitação feita pela Terracap, em 1995.

"Quando adquirimos a área, o esqueleto do prédio já estava ali. Queremos construir um prédio de salas comerciais no local, mas não sabemos quando iniciaremos a obra", diz Sarkis. O estacionamento funciona durante 24 horas. Três vigias se revezam na sua segurança. Sarkis afirma desconhecer que mendigos entrem e saiam clandestinamente do lugar.

No entanto, bastou a reportagem do Jornal de Brasília subir no prédio ao lado para constatar aquilo que Sarkis ignora. No esqueleto da construção, havia pelo menos quatro crianças brincando. Também foi possível ver panelas, varal de roupas e restos de comidas.

Prostituição

A área serve como ponto de encontro para programas, conta a comerciante Marli Gonçalves. "Fico preocupada quando saio à noite do Venâncio 2000 e passo em frente ao local, que é um ponto de prostitutas e travestis. Esses escombros abrigam bandidos também. Já era tempo de alguém fazer alguma coisa."

Segundo o secretário de Obras, Márcio Machado, a fiscalização às construções paralisadas é uma prioridade na agenda do novo governo. Nos próximos dias, o GDF deverá concluir uma pesquisa sobre todas as edificações inacabadas na cidade. "A partir daí, iremos tomar as medidas necessárias para resolver cada caso", promete.

A estética desses esqueletos de concreto também incomoda empresários do Setor Hoteleiro Sul. Um gerente de um hotel na região, que não quis se identificar, considera um absurdo a manutenção de construções inacabadas na área nobre de Brasília. "Fico receoso de esses locais abrigarem focos da dengue. É preciso demolir ou construir algo rápido ali. Os hotéis da capital não podem oferecer essa vista para seus turistas", comenta o gerente.

Outra obra inacabada que incomoda a população fica no início do Lago Norte. A administradora interina da cidade, Liliana Gonzaga, diz que a construção foi parada por problemas judiciais. "Esse caso está na Justiça há mais de 15 anos e foge da competência da administração regional. É uma briga antiga entre a Terracap e três sócios que deram início à construção de um shopping. É uma pena a obra não ter ido para frente."

Lote desocupado, refúgio de bandidos

Um terreno baldio preocupa os moradores do conjunto 3 da QI 1 do Lago Sul. A causa é o lote 23, desocupado há mais de 20 anos. "Isso aí virou abrigo de vários animais, desde cobras e ratos até gambás. A gente fica com medo ter focos de dengue e outras doenças no local", diz a professora Luciana Ribas, que mora em frente à área, onde surgiu um matagal.

A assistente social Tânia Pitan, também moradora da rua, teme que o matagal seja usado por bandidos. "Nunca deixamos a casa sozinha. Quando viajamos, o caseiro fica tomando conta. Morro de medo de que um ladrão saia desse matagal."

No Setor de Clubes Norte, próximo à Vila Planalto, o descaso com os terrenos baldios também assusta a população. A esteticista Anna Christina da Silva conta que uma colega foi estuprada na semana passada num matagal perto da beira do Lago Paranoá. "Os criminosos costumam usar esses locais para se esconder e estuprar."

Na QNN 20, Quadra H, em Ceilândia Sul, o descaso é ainda maior. O terreno baldio em frente à Escola Classe 24 virou depósito de lixo. Maria Andrelino, dona de uma lanchonete perto do local, sofre com a sujeira e o mau cheiro. "O terreno virou depósito de lixo. É nojento."

Terreno baldio no Lago Sul incomoda moradores - Risco à saúde pública

Mais do que um problema de segurança ou arquitetônico, as construções inacabadas e os terrenos baldios são problemas de saúde pública. Segundo o coordenador-geral do Programa Nacional de Controle à Dengue, Giovanini Coelho, o acúmulo de lixo e água parada nesses locais permite o surgimento de focos de dengue e de outras doenças.

"Esse é um problema que não depende só do setor da Saúde. No caso de terrenos baldios e obras particulares inacabadas, o poder público precisa fazer um pedido para que o agente realize a vistoria. Isso demora. É necessário estimular a ação das várias esferas públicas para controlar melhor possíveis epidemias."

Analista de administração pública da Secretaria de Saúde do GDF, Miriam dos Anjos Santos lembra que o lixo orgânico depositado irregularmente nesses locais contribui para o aparecimento de superpopulações de ratazanas. "Além do risco de os moradores das imediações serem mordidos por ratos, esses bichos também são vetores da Leptospirose", alerta.

Lixo

Os lixos e entulhos depositados nas áreas públicas da União e DF são de responsabilidade do órgão. Já a manutenção do mato e do capim nesses mesmos locais cabe à Novacap. "A orientação do governador é de que se faça mutirões localizados para acabar com lixo e entulho em todo o DF. As administrações deverão mapear os locais onde estão os entulhos e nós iremos retirar a sujeira", diz o superintendente de Operação do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), Divino Santana.

A administradora do Lago Norte, Liliana de Souza Gonzaga, informa que o procedimento é diferente em relação aos terrenos particulares baldios. "Primeiro, fazemos uma fiscalização, onde identificamos essas situações. Depois, o dono é notificado e tem um prazo de 30 dias para fazer a limpeza da área."

As principais razões para o surgimento dessas feridas arquitetônicas no Distrito Federal são embargos ambientais, problemas sucessórios e proibições por contrariedade às normas de edificações.

O que diz a Lei?

A Lei Distrital nº 613, de 9/12/1993, obriga os proprietários de terrenos não-edificados, localizados em área urbana do DF, a construírem calçadas entre os limites do terreno e os da rua, bem como a manter os terrenos devidamente cercados e limpos, sob pena de multa e inscrição do nome na Dívida Ativa do Distrito Federal.

O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) permite, em seu artigo 1.280, que um proprietário ou possuidor de imóvel vizinho a uma obra inacabada exija judicialmente a demolição ou a reparação dessa obra, se comprovar que ela ameaça desmoronar.

A Constituição Federal consagra o direito de todos ao meio ambiente saudável e equilibrado, incluído o meio ambiente urbano (arts. 21, inc. XX; 23, inc. VI; 170, inc. VI; 225), que é afetado pela existência de obras inacabadas que ostentem conseqüências prejudiciais (poluição visual excessiva, acúmulo nocivo de águas paradas, obstrução de passagens, refúgio para criminosos, etc.).

O Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001) prevê em seu artigo 2º o "controle do uso do solo" objetivando evitar "a deterioração das áreas urbanizadas" e "a poluição e a degradação ambiental".

A Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, disciplina a racionalização do uso do solo e considera como poluição e degradação da qualidade ambiental quaisquer situações que, dentre outras coisas, "prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população" ou "afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente".

A Lei nº 7.437/1985 permite o ajuizamento de ação civil pública para fazer cessar os danos ao meio ambiente e à ordem urbanística. A ação poderá ser proposta pelo Ministério Público, União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista ou por associação civil constituída há pelo menos um ano e que cuidem do meio ambiente e da ordem urbanística. O juiz poderá conceder liminar e fixar multa diária contra o dono da obra paralisada.

 Fonte: Jornal de Brasília (Brasília), 14 de janeiro de 2007


Categoria: Geral


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