Na Câmara Municipal de Curitiba, por exemplo, tramitam dois projetos de lei sobre o tema - um contraditório ao outro. O primeiro, proposto pelo vereador Felipe Braga Côrtes, em 2013, tenta criminalizar a atividade; o outro, de autoria do vereador Ailton Araújo, também proposto no ano passado, pretende regularizar a profissão. Nenhum foi para frente.
A Lei Federal n.º 6.242, de 1975, criou a função de guardador e lavador de veículos. Porém, ela apenas estipula que o profissional pode oferecer seus serviços em ruas públicas e estacionamentos da cidade, sem estabelecer horários, locais de trabalho e, principalmente, remuneração. Esses "detalhes" cabe ao município regulamentar. "A Constituição diz que é competência da administração local disciplinar o espaço urbano. Como o flanelinha é uma atividade ligada à cidade, é obrigação dela regularizar o funcionamento do serviço", esclarece Marcos Augusto Maliska, professor do programa de mestrado em Direito da Unibrasil.
Propostas
O projeto de Ailton Araújo sugere apenas o cumprimento de parte da lei federal, como uso de crachá e registro na Delegacia Regional do Trabalho, além de prever a fiscalização da atuação desses profissionais pela Secretaria Municipal de Trânsito (Setran).
Já o projeto de Côrtes, que criminaliza a atuação de flanelinhas, está parado. Para Eduardo Faria, professor de Direito Constitucional da Universidade Positivo, projetos como este, proibindo a atividade dos flanelas, só reforçam o mal-estar que existe em torno da função. "Ele já parte do pressuposto que o guardador tem uma conduta criminosa. Isso cria um estado penal e opressor, que pune, e não um estado de bem-estar social, que deveria ser o foco", observa. Faria acrescenta ainda que o município não pode legislar sobre Direito do Trabalho e Direito Penal. "Como a União fixou a profissão, não cabe ao estado nem ao município legislar. Eles têm é que organizar", conclui.
Luta é para acabar com a informalidade
Pedro da Silva e Souza, o Pedrinho, ajudou a criar a Associação de Guardadores de Carros de Curitiba, em 2011, para tirar a categoria da informalidade. A entidade tem estatuto e segue a legislação. Mas poucos se associam, já que uma das prerrogativas é estar registrado na Delegacia Regional do Trabalho (DRT).
Segundo Pedro, muitos flanelinhas não fazem o registro porque não se enquadram nas diretrizes da DRT. "Há guardadores que não têm todas as aptidões necessárias, como a certidão criminal negativa. Alguns ameaçam, traficam drogas e estipulam um valor para o motorista. Queremos mudar essa imagem."
Legislação autoriza o serviço nas ruas
A legislação autoriza o flanelinha a ficar nas ruas oferecendo o serviço. O valor, no entanto, deve ser acordado entre ele e o motorista. Uma relação comercial que, muitas vezes, acaba gerando problemas.
Como não existe fiscalização, é comum haver discussões, intimidações e danos ao patrimônio. Foi o que aconteceu com o publicitário Valzi Nunes Ferreira, de 29 anos. Ele estacionou o carro na Rua Álvaro Alvim, no bairro Seminário, no início do ano. Valzi se recusou a dar R$ 10 ao guardador que vigiava os carros na região. "Quando voltei, tive uma surpresa. As duas portas do automóvel tinham sido riscadas", conta o publicitário.
O inspetor do Centro de Operações da Defesa Social da Guarda Municipal de Curitiba, Vanderson Cubas, alerta que esse tipo de delito deve ser comunicado às autoridades. A Guarda Municipal e a prefeitura, no entanto, não registraram nenhuma denúncia contra flanelinhas neste ano. A PM também não tem um levantamento do número de casos.
Flanelinha com crachá e horário de expediente
O vice-presidente da associação dos guardadores de carros de Curitiba, Pedro da Silva e Souza, foi o primeiro a se registrar na Delegacia Regional do Trabalho. Pedrinho, como é conhecido, trabalha como flanelinha há 11 anos.
Antes de iniciar na profissão, era mestre de obras. Um acidente durante um jogo de futebol, porém, o tirou das construções. "Eu não conseguia mais andar. Tive problemas em várias vértebras. Passei oito anos na cadeira de rodas. Deixei faz pouco tempo", relata.
Ele dá expediente das 5 às 18 h, de segunda a sexta, na esquina das ruas Rockefeller e Comendador Roseira, no Prado Velho. Usa colete de identificação e crachá.
Pedrinho, além de cuidar dos carros, também fica com a chave dos moradores da região. "Costumo receber e entregar, assinar cartas registradas e abrir para o pessoal que verifica água e luz", relata. Por mês, ganha R$ 5 mil. "Todo ano faço uma viagem para o exterior. Agora eu vou para Cancún, no México."
Fonte: Gazeta do Povo (Curitiba), 9 de novembro de 2014