Sob o título "Promessa sempre renovada", o editorial do Estado de São Paulo (domingo, 15 de junho de 2008) analisa a intenção da Prefeitura de São Paulo de retomar as garagens subterrâneas. Mas que parecem mais "ilusões sempre renovadas".
Reações pessoais são muito afetadas pelas impressões, sejam baseadas em situações reais, sejam em elementos veiculados pela mídia. E essa é uma grande difusora de impressões, com a generalização de fatos reais, mas pontuais ou parciais.
E isso leva as pessoas a perceber ou propor soluções que não se sustentam diante da realidade. Porque aquela é complexa, envolvendo diversos elementos e fatores, nem sempre considerados nos fatos isolados. Principalmente quando supostamente baseada em critérios técnicos, em amostras estatísticas expandidas para o universo.
São ilusões com foros de verdade, de realidade. Sempre utilizada pelos políticos.
É o caso das garagens subterrâneas, que mais uma vez voltam à agenda pública, em vésperas de eleições municipais.
No Rio de Janeiro, o prefeito César Maia, em fins do segundo mandato, promete licitar duas garagens subterrâneas. Uma em Copacabana, no Lido, com 800 vagas, e outra na Praça General Osório, em Ipanema, com 1.200 vagas, somando 2.000 vagas. Para um contrato de concessão de 35 anos. Os empreendedores privados interessados terão que investir entre R$ 60 e R$ 80 milhões.
Em Niterói, a Prefeitura está a autorizar a concessionária atual de estacionamentos na cidade a construir duas garagens subterrâneas, uma no Centro e outra em Icaraí, cada qual com 400 vagas. Segundo a nota da própria Prefeitura, a tarifa a ser cobrada será a mesma das outras áreas concedidas, R$ 1,00. A concessionária terá que investir ao menos R$ 20 milhões. Uma estimativa mais segura seria de R$ 24 milhões.
No caso de São Paulo, promete-se lançar novamente as licitações de garagens subterrâneas no centro tradicional. Do programa original de 11 garagens subterrâneas, aprovado pela Câmara Municipal, foram consideradas viáveis cinco e agora se pretende lançar o edital de três delas: Mercado Municipal (490 vagas); Praça Ramos de Azevedo (450 vagas) e Pátio do Colégio (350 vagas). Um investimento privado entre R$ 30 e R$ 52 milhões.
A justificativa é que se estima (isso em 2004) um déficit de 10.000 vagas. Fora 32.000 vagas exploradas irregularmente.
Ainda que esse número seja real, é preciso indagar: em que horário?
Vaga para estacionamento é um elemento físico que uma vez construído pode ser usado 24 horas por dia. O déficit pode ocorrer em algumas horas do dia. Mas não o dia todo. Já o custo de construção de uma vaga, estimado entre R$ 25.000,00 e R$ 40.000,00, pelos estudos de viabilidade econômica precisa ser remunerado de forma continuada, independentemente do seu uso.
Uma proposta apresentada pelo consórcio que tem a concessão da Garagens Clínicas à Prefeitura de São Paulo estima em R$ 10 milhões a ampliação para oferta de 365 vagas adicionais. O investimento unitário, por vaga, seria de R$ 27,4 mil. A garagem, que quem usa tem a impressão de ser muito cara, deve ter um ticket médio da ordem de R$ 10,00. Não é um bom negócio.
O atendimento ao déficit que ocorre durante algumas horas pode não cobrir todos os custos que ocorrem durante o dia todo.
Ademais, é preciso qualificar a demanda, que no caso do Centro como um pólo atrator de viagens é de permanência, em função de trabalho, e de curta duração, em função de reuniões de trabalho, compras, consultas médicas ou outras necessidades eventuais.
Das viagens atraídas para a Subprefeitura da Sé, ao longo do dia, segundo a pesquisa Origem-Destino de 97, apenas 19% eram individuais, dirigindo automóvel. Só para efeito de comparação, esse mesmo indicador para a Subprefeitura de Pinheiros foi de 36%. Devendo-se considerar, além disso, que a Avenida Paulista tem um lado na Subprefeitura da Sé e outro na de Pinheiros.
Complementarmente há uma demanda de origem, ou seja, de moradores que dispõem de automóvel e que não dispõem de vaga própria no imóvel onde residem.
Com exceção da garagem Ramos de Azevedo, que fica em frente ao Teatro Municipal, as demais não têm atividades noturnas. O Pátio do Colégio serve a uma área essencialmente de escritórios, vizinha a um comércio popular, que fica inteiramente vazia à noite. Os restaurantes e bares da área atendem aos que trabalham durante o dia. Fecham à noite. E com eles os estacionamentos (regulares e irregulares).
A garagem junto ao Mercado Municipal deve atender aos compradores de produtos no Mercado Municipal, podendo atender também aos compradores da região da 25 de Março. É uma área com muitos estacionamentos irregulares, com preços elevados, principalmente aos sábados, quando aumenta substancialmente a demanda. O intervalo ("gap") entre os picos e os vales é elevado. O déficit é avaliado pelo pico. A média é puxada para baixo pelos vales.
O Mercado Municipal tem uma demanda adicional que é a sua Praça de Alimentação, atualmente uma grande atração turística. Poderia estender os seus horários para o atendimento noturno. Pode-se estimar que teria demanda, desde que com facilidade de estacionamento. A área interna é pequena. Mas seria viável, do ponto de vista da segurança ou dos custos adicionais para a segurança?
Há propostas de reurbanização da área, com a implosão de dois prédios, o São Vito, já desocupado, e seu vizinho, que precisa ser desapropriado. O que será feito da área? Será um atrator de viagens e de estacionamento? Poderia comportar um estacionamento elevado?
A garagem sob a Rua Xavier de Toledo e a Praça Ramos de Azevedo poderá ter viabilidade se alavancar um pólo gastronômico na região, começando pela Praça Dom José Gaspar. Sem uma atividade noturna permanente não será viável economicamente.
As tendências verificadas no Centro de São Paulo levam a rediscutir as estratégias propostas.
A requalificação do Centro passa, obrigatoriamente, pela graduação ("up grade") econômica. A degradação física do Centro é decorrência do seu empobrecimento econômico. A riqueza dela saiu, por um conjunto de circunstâncias, e deixou o espaço para a pobreza.
Tentar expulsar a pobreza, a partir do físico, como se pretende na antiga cracolândia, pode ser infrutífero.
Uma outra estratégia é a requalificação a partir da riqueza que remanesceu no Centro. Esse enclave está situado na Avenida São Luiz e o centro do processo de requalificação pode estar na Praça Dom José Gaspar e na Galeria Metrópole. Nesse sentido, a oferta de estacionamento deveria contemplar essa área que tem potencial para um centro gastronômico e de lazer noturno. Mas com os riscos de serem adotados pelo tráfico.
*Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.