Discutimos em artigo anterior o conflito, na via pública, entre a fluidez do tráfego e o estacionamento de veículos.
Esse conflito, no entanto, é mais amplo, porque envolve também o pedestre.
Ao longo do tempo, em São Paulo, como em outras grandes cidades, o pedestre foi perdendo espaço, com a redução das calçadas, a sua falta de manutenção.
Uma tentativa de lhe dar prioridade, com os calçadões, as ruas de pedestres, acabou sendo um desastre, com a degradação das áreas.
A cultura do automóvel fez do pedestre um "cidadão de segunda classe".
Um conjunto de circunstâncias, no entanto, leva a retomar a questão, nas áreas de grande dinâmica de atividades urbanas, de uso misto.
O princípio deve ser o da maior proximidade das diversas atividades urbanas, de tal forma que as pessoas possam morar, trabalhar, estudar, malhar, comer, se reunir com os amigos etc. dentro de um mesmo bairro, deslocando-se a curtas distâncias, preferencialmente a pé.
Numa mega-cidade moderna os congestionamentos de veículos nas vias públicas são inevitáveis, nos principais corredores. O transporte coletivo pode mitigar o problema, mas não solucionar.
A população é enorme e se, por algum motivo, há uma coincidência de desejos de parte dela, pelo mesmo percurso, na mesma hora, o congestionamento ocorrerá.
O que se discute são a incidência e duração desses congestionamentos. Quanto maiores, maior a sensação de que a "cidade pára".
Ela não pára. Ela se dispersa.
E, na prática, por força das distorções do mercado, ela vai se organizando em rede, com centróides onde passa a ocorrer uma grande movimentação de viagens internas e externas.
As políticas públicas tendem a focar mais os desequilíbrios do que os equilíbrios. Mas nesse caso existem dois desequilíbrios que não se compensam, a não ser estatisticamente.
Para mitigar o problema dos congestionamentos o melhor caminho não está no aumento de transportes coletivos de caráter radial e de grandes extensões.
Isso só aumenta o número de viagens e acaba gerando mais demanda para as vias estruturais.
Essa é outra lição que precisa ser aprendida pelos planejadores urbanos. A área melhor servida por transporte de massa é o eixo leste, com uma linha de metrô e duas de trens urbanos. No entanto, o adensamento nas pontas, em função das facilidades do transporte, trouxe também mais veículos para a Radial Leste, que vive permanentemente congestionada.
A primeira prioridade deve ser o da redução do número de viagens e o teletrabalho tem essa função.
O que não se pode, nem se deve, é raciocinar com uma única modalidade, achando que todo o trabalho será à distância. E que as pessoas ficarão todo o tempo sem sair de casa.
O teletrabalho como um regime único é inconveniente, mas o seu uso parcial poderá ser benéfico para a cidade.
A segunda prioridade deve ser a redução das distâncias de viagens. As atividades urbanas devem ser realizadas próximas.
A terceira prioridade deve ser o modo de viagem: não motorizada.
Dentro dessas prioridades os pólos urbanos devem ser induzidos a se organizar com elevado grau de auto-suficiência interna. Mas não podem ser inteiramente fechados.
Não cabe a rua exclusivamente de pedestres.
Mas, em alguns casos, cabe o aumento das calçadas e de locais de estacionamento.
O novo paradigma para a organização urbana é a Rua Oscar Freire.
Não adianta ir contra a cultura do automóvel nas políticas públicas. Ainda durante muitos anos, essa será a cultura hegemônica.
O problema não está no aumento da frota de automóveis, mas a sua presença nas vias públicas.
A frota deve ficar mais tempo parada nas garagens.
E para isso é necessário gerar vagas suficientes para que essa frota fique nas garagens e não nas ruas.
*Jorge Hori é consultor em Inteligência Estratégica do Sindepark. Com mais de 40 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.