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Seres humanos são o maior obstáculo à revolução dos carros autônomos

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Tecnologias brilhantes transformam o que um dia foi mágico em banalidade. Uma ideia que parece obscura para uma geração se torna corriqueira na seguinte. Foi o que aconteceu com a eletricidade, os voos espaciais e a internet. E é provável que o mesmo aconteça com os carros autônomos.

As últimas semanas viram uma sucessão de anúncios. Cingapura lançou o primeiro teste público mundial de um serviço de táxis robotizados. Uber e Volvo anunciaram que criariam uma pioneira frota de táxis autoguiados em Pittsburgh, dentro de algumas semanas. A Ford anunciou que lançaria seu primeiro carro autoguiado no mercado de massa em 2021.

Para seus proponentes, os carros autônomos precisam chegar o quanto antes. Os carros convencionais são ineficientes, perigosos e sujos. Passam 95% de suas vidas ociosos, ocupando espaço nas ruas e em estacionamentos das cidades. Quando se movimentam, muitas vezes colidem, matando 3.500 pessoas por dia, em todo o planeta.

Desses acidentes, 90% são causados por erro humano. Os carros poluem o meio ambiente, e respondem por 45% do petróleo queimado no planeta.

A adoção generalizada de carros completamente autoguiados e, ainda melhor, elétricos poderia, assim, ser uma imensa vantagem para a humanidade. Poderia conduzir a um uso muito mais eficiente de recursos, salvar muitas vidas e reduzir congestionamentos e a poluição.

Os futurólogos imaginam pequenas frotas de carros compartilháveis e conectados, circulando constantemente por nossas cidades, apanhando passageiros sempre que solicitados. A consultoria McKinsey prevê que, até 2030, 15% dos carros zero serão completamente autônomos.

Mas dois obstáculos bloqueiam sua adoção generalizada. O primeiro continua a ser tecnológico. Apesar de todos os avanços espantosos conquistados nos últimos anos, continua a ser fenomenalmente difícil reproduzir as capacidades sensoriais dos seres humanos.

Como um carro poderá distinguir entre um saco plástico soprado à rua pelo vento e um cachorro fujão? Como um carro autoguiado abriria caminho entre uma multidão de torcedores do lado de fora de um estádio de futebol?

Os engenheiros argumentam que o gênio dos carros autoguiados é sua conectividade. "Quando motoristas humanos cometem um erro, um indivíduo aprende sobre ele", diz um pioneiro do Vale do Silício. "Quando um carro autoguiado comete um erro, todos os demais carros aprenderão sobre ele, assim que um engenheiro o corrija. Será simplesmente questão de tempo para que nossa tecnologia supere a capacidade humana".

Mas os céticos comparam a tecnologia dos carros autônomos à dicotomia de Zenão: cada novo salto reduzirá a distância que nos separa do objetivo à metade, mas ainda assim nunca chegaremos a ele.

Não importa o quanto as tarefas tecnológicas se provem difíceis, elas podem ainda assim ser a parte mais fácil da equação. O desafio mais complicado continua sendo o ser humano. Mesmo quando os fabricantes e engenheiros de software desenvolverem carros completamente autoguiados nos quais tenham completa confiança, ainda assim vai levar muitos anos, senão décadas, para que governos e consumidores os aceitem completamente.

Primeiro, há a instintiva resistência humana a entregar o controle a um robô, especialmente se levarmos em conta o medo de ações de hackers. Segundo, para muitos motoristas o carro é uma extensão de sua identidade, um símbolo mecânico de independência, controle e liberdade. Eles não os abandonarão facilmente.

Terceiro, os robôs terão sempre de satisfazer padrões de segurança muito mais elevados que os seres humanos. Também terão de ser programados para fazer cálculos que podem resultar na morte de seus passageiros ou de transeuntes, em nome de minimizar o número total de vidas perdidas. Isso criará uma fascinante subescola científica de moralidade algorítmica.

"Muita gente teme que um ato irresponsável cause um acidente, e isso provoque uma reação adversa que travaria o setor por uma década", disse o engenheiro do Vale do Silício. "Isso seria trágico, já que de outra forma milhares de vidas poderiam ser salvas a cada ano".

Quarto, a entrada em operação de veículos autônomos poderia destruir milhões de empregos. A introdução rápida deles deve enfrentar resistência. Nos Estados Unidos, há 3,5 milhões de motoristas de caminhão profissionais.

Quinto, o setor de seguros e o mundo do Direito terão de decidir algumas complicadas questões de responsabilidade judicial. Em que circunstâncias o proprietário do carro, seu fabricante ou o engenheiro que desenvolveu o software seria responsável pelo dano?

Alguns governos, como os de Cingapura, China e Reino Unido, bem como os de diversos Estados norte-americanos, estão criando ambientes legais e regulatórios permissivos.

As autoridades regulatórias certamente poderiam acelerar a adoção aprovando a criação de faixas exclusivas para veículos autoguiados, por exemplo, e desenvolvendo padrões e normas internacionais de segurança. Por outro lado, os políticos talvez sucumbam à pressão do medo público e dos interesses escusos e frustrem a chegada dos carros autoguiados ao mercado.

Os visionários dos carros autoguiados podem em breve ser capazes de aperfeiçoar a tecnologia requerida. Mas o sucesso da ideia talvez venha a ser determinado pela competência deles - tomando de empréstimo o jargão stalinista - como engenheiros de almas.

Fonte: Financial Times, 01/09/2016

Categoria: Geral


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