Por Jorge Hori*
Dizer planejamento antecipado é uma tautologia, assim como "subir para cima". Mas poucos entendem como tal. Embora quando acontece algo de errado logo a culpa é da falta de planejamento anterior. O que já aconteceu de errado é a falta de mobilidade urbana nas grandes cidades. Não é mais uma questão de planejamento, mas de correção.
Já em relação às cidades menores, principalmente as médias, é possível planejar para evitar que elas cheguem à situação em que estão as megacidades.
Essas já estão em processo de regressão demográfica. Estatisticamente ainda é pouco percebida porque, enquanto a área central se esvazia, a periferia continua crescendo e compensa os números. A pressão sobre o trânsito vai se reduzir por um processo natural de encolhimento populacional. Mas os governos vão atribuir as melhoras de desempenho da mobilidade urbana aos seus programas.
As cidades médias tenderão a continuar crescendo demograficamente, incluindo a migração de população que abandona a megacidade. Essa migração é dos que têm tal opção, diferentemente das ondas de migração que ocorreram em décadas anteriores por falta de opção. Essa categoria de migração está contida pelos programas sociais.
A nova migração é da classe média. Que muda com o seu carro. Às vezes sem o seu emprego, continuando a trabalhar na megacidade. Mas o emprego também está migrando.
As cidades médias terão crescimento demográfico e das suas frotas de veículos mais acentuados.
Diante dessa perspectiva, uma pergunta recorrente é: onde guardar o carro?
O carro é um veículo para movimentação de pessoas de um local para outro. Excluindo os casos de movimentação a passeio sem destino, as pessoas se movimentam de carro, que está num local, e vão para outro, onde também precisam de lugar para o carro.
Cada carro que é movimentado precisa sempre de ao menos duas vagas: uma na origem e outra no destino. Quando os destinos são múltiplos, a necessidade de vagas também se multiplica: é sempre preciso uma vaga para cada destino.
É ilusório o planejamento de mobilidade urbana que se baseia no desejo do planejador de que a população vá abandonar o carro e a frota não vai crescer. Muitos dos próprios planejadores defendem uma população sem carro, mas ele não abdica do seu: com todo um conjunto de explicações que não são diferentes dos outros.
As cidades médias vão crescer em população, vão ficar mais ricas e vão ter mais carros. O planejamento da mobilidade precisa prever onde os carros vão estacionar, levando em conta a necessidade de uma vaga na origem e outra no destino.
Na origem, em tese, o problema se resolve pela obrigação de o proprietário do veículo ter uma vaga interna em sua residência. Na prática não é tão simples.
O município tem atribuição de regular uso, ocupação do solo e construções. Pode exigir que cada unidade residencial tenha uma vaga interna para o seu carro. Supostamente todos os carros teriam uma vaga interna não precisando usar a via pública para o seu estacionamento.
Mas há dois casos diferenciados que causam distorção: de um lado, os que não querem carro e acabam tendo a obrigação de reservar um espaço que ficará ocioso. Ou terá de ser usado para outros fins. De outro, as pessoas que possuem mais de um carro e não teriam vaga para os carros adicionais. Para esses casos os planos diretores têm resolvido tradicionalmente pela suposição de que o maior volume de construção equivale a um volume maior de carros, exigindo as vagas em função da metragem de construção. Como a suposição é baseada em médias, pode agravar a ocorrência de ociosidade.
Exigir vagas encarece o custo dos imóveis e o problema é mais grave nos edifícios de apartamentos. A dificuldade maior tem sido a falta de vagas para os carros adicionais. Mas envolve também a insuficiência dos espaços para abrigar os carros principais. Com o agravante do aumento da frota de carros grandes.
No entanto, o problema maior é planejar a disponibilidade de vagas nos destinos.
Está em voga uma doutrina nacional, cuja implantação é liderada por São Paulo, de que a restrição de vagas desestimula a propriedade ou o uso do carro, para dar preferência ao transporte coletivo ou ao não motorizado (entenda-se bicicleta).
As consequências reais não são o abandono do carro, mas a tendência de abandono das áreas com restrições de vagas, exceto as áreas mais próximas das estações de metrô. Esse sistema de transporte, porém, não está disponível para todas as partes de São Paulo, assim como em outras cidades.
A aposta dos planejadores e autoridades é que nas demais cidades os sistemas melhorados de ônibus, como o BRT, possam atrair as pessoas para que deixem o carro em casa ou mesmo dispensá-lo para usar o BRT. Poderá atender aqueles que têm origem e destino próximos às estações do BRT, para que possam ser acessadas a pé. Para qualquer distância maior que necessitem de um veículo para a locomoção, as pessoas precisarão e usarão o seu carro. Muitos saindo de casa preferirão fazer o trajeto direto, sem os transbordos, deixando o carro numa vaga, seja na via pública ou em estacionamento pago.
O planejamento urbano deverá prever os espaços para os corredores de ônibus, sejam os comuns ou o BRT, com previsão das estações e conciliar o uso do solo para essas áreas. E deverá prever áreas para estacionamento, dentro do conceito do "park and ride". Essa modalidade ainda é pouco aceita pela população.
A outra aposta é na bicicleta. Para incentivar o seu uso, as autoridades têm focado na infraestrutura através de ciclovias e ciclofaixas. As ciclofaixas são objeto de polêmica por serem pintadas em vias existentes e até agora com pouco uso,em São Paulo. Jáas ciclovias têm tido maior uso. Essas são faixas separadas das de rolamento das vias públicas.
O planejamento urbano deve considerar a reserva de espaço para as ciclovias e para o estacionamento das bicicletas. Diferentemente do que ocorre em outras cidades mundiais onde o uso da bicicleta foi incentivada, no Brasil o risco de furto da bicicleta é maior.
Os problemas ocorridos nas grandes cidades devem servir de lições para o planejamento das cidades médias.
A principal é ampliar o conceito de mobilidade urbana para logística urbana de pessoas e adotar a multimodalidade como solução e não a contraposição de um modo contra os outros.
Dentro da multimodalidade ressalta-se a necessidade dos pontos de troca de modal, e no caso do carro para outro são necessários os estacionamentos.
* Jorge Hori é consultorem Inteligência Estratégicae foi contratado pelo SINDEPARK para desenvolver o estudo sobre a Política de Estacionamentos que o Sindicato irá defender. Com mais de 50 anos em consultoria a governos, empresas públicas e privadas, e a entidades do terceiro setor, acumulou um grande conhecimento e experiência no funcionamento real da Administração Pública e das Empresas. Hori também se dedica ao entendimento e interpretação do ambiente em que estão inseridas as empresas, a partir de metodologias próprias.
NOTA:
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do SINDEPARK.